A quarta hipótese *

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Por Douglas

 

Vem do famoso escritor, filósofo e literato C.S Lewis a máxima cristã de que somente três hipóteses explicariam Jesus ao mundo:

A)    Jesus era um mentiroso;

B)    Jesus era um louco megalomaníaco;

C)    Jesus era Deus.

Curioso e precioso este jeito de raciocinar. O bom irlandês, um dos mais famosos convertidos ao Cristianismo do século XX, julgou sintetizar nessas três premissas todas as possibilidades interpretativas que rondavam a figura de Jesus de Nazaré, conclamando seus ouvintes e leitores a um compromisso de razoabilidade.

C.S. Lewis

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 Senão, vejamos: poderia um mentiroso, um impostor, um embusteiro ter colocado na mente e no coração de seus discípulos, muitos deles não o tendo conhecido pessoalmente, alguns deles homens letrados e versáteis de seu tempo, a força para enfrentar as duras perseguições que eles teriam de lidar por esposar suas peculiares crenças, dando voluntariamente sua vida para defender a fé nesse mesmo Mestre da Galiléia? É de bom senso que não, afinal, todas as tentativas nesse sentido por pessoas com esse perfil enganador cedo ou tarde eram desmascaradas, ainda que pela força da História pesquisada. E mesmo essa reconhece em Jesus o quesito seriedade e compromisso com sua própria fé propagada.

Que dizer então da hipótese megalomaníaca? Esse jovem hebreu acreditava ser ele mesmo um com seu Pai Celestial, portanto, ele mesmo Deus, mas no fim não passava de um rapaz exaltado – mas de bom coração – que acabou crendo em suas próprias imagens mentais distorcidas. É essa, de certo modo, a posição do pesquisador francês do final do século XIX, Ernest Renan em seu livro “A vida de Jesus”: um bom homem com algumas boas idéias no lugar errado e com a disposição psicológica errada. Ora, o Cristianismo tradicionalmente irá afirmar, não sem um sorriso de misericórdia, que o raciocínio do parágrafo acima desabona isso. Se ele era louco, era de uma loucura mais sábia do que a dos homens, uma santa loucura que, ao inspirá-los, mostrava muito mais sua marca divina do que mórbida. Uma loucura dotada de uma moral irreprochável e já apresentada por grandes filósofos gregos, tais como Sócrates, Platão e Aristóteles. Contudo, uma moral que, muito mais do que psicologicamente refinada, ia ao âmago dos sofrimentos humanos para lhe apresentar um bálsamo que dificilmente os filósofos de antanho conseguiriam igualar. Logo, a hipótese não se sustenta.

Só restaria então uma alternativa: Jesus de Nazaré é aquilo que ele alegadamente afirmou o ser: Deus, filho de Deus, o Pai e ele mesmo um só com seu Pai Celestial. Pois apenas Deus encarnado conseguiria personificar a síntese excelente de qualidades que Jesus o fez. Vencido por essa razoabilidade rigorosa e tão simples, Lewis se quedaria emocionado ao estudo e meditação do Evangelho desse mesmo Jesus, se tornando um dos mais respeitáveis divulgadores do mesmo em um continente arrasado por duas Guerras Mundiais e por um ambiente acadêmico de profundo ceticismo para com estas questões.

Imaginam nossos irmãos católicos e protestantes que a questão aí estaria encerrada. Supõem que a inexpugnabilidade do argumento de Lewis, constantemente ressuscitada por pregadores de diferente jaez, seja ela mesmo inatacável e ponto final. Contudo, não se pode concordar com essa visão posto que ela mesma traz os limites interpretativos que mostram por quê não se pode endossá-la. Vejamos como:

Usualmente o que não se consegue perceber é que por traz desse raciocínio circular se esconde uma premissa básica: Podemos saber com segurança o que Jesus pensava e dizia, pesquisando o confiável exemplar dos Evangelhos em nossas Bíblias. Ali estão as palavras de Jesus, fielmente passadas para todos por uma ininterrupta cadeia de copistas e tradutores que, com mínimas e insignificantes diferenças, irão permitir que todos os que queiram, no século XXI, saber o que esse Jesus dizia assim o façam.

E ali nesses Evangelhos, especialmente no Evangelho segundo João, há uma série de afirmações de Jesus que corroboram ser ele Deus, filho de Deus Pai, um só com Deus, Filho Primogênito e Unigênito, isto é, o Primeiro e o Único.

Sendo assim, certos de que essas coisas tenham sido ditas por Ele, basta que nos posicionemos quanto a uma das três hipóteses de Lewis e então teremos um resultado seguro: a confirmação da divindade do Rabi da Galiléia. Mas, será mesmo?

Daí é que vem nossa quarta e fundamental hipótese: Jesus nunca disse que era Deus. Isso é um choque para muitos, uma vez que, acostumados com uma atmosfera cultural onde a divindade de Jesus sempre era repetida e reafirmada como fato dado e inquestionável, a afirmação contrária parece então uma tolice ingênua.

Ousamos portanto repetir: Jesus nunca disse que era Deus. E mais ainda: A Bíblia, livro que merece todo o nosso carinho, respeito, consideração e pesquisa, não é um livro infalível, um guia absoluto sem erros sobre as palavras, os ensinos e os pensamentos de Jesus. Não, não o é.

Vamos então colocar nosso pensamento de outra maneira: uma vez que o respeitável livro conhecido como Bíblia Sagrada não é um guia sem erros do que Jesus disse e foi, colocando na boca de Jesus coisas que ele não afirmou, pode-se concluir que não, ele jamais afirmou ser Deus.

Mas alguém poderia com muita justeza perguntar: Que provas se têm disso? Falar é fácil. Prove!

Pois muito bem, quem apresenta essas provas não somos nós, mas um conjunto muito grande de pesquisadores de História do Cristianismo Primitivo, de sociólogos, antropólogos e mesmo teólogos que, se desdobrando sobre os mais antigos manuscritos disponíveis do Novo Testamento, comparando informações lingüísticas, de época, de geografia, de costumes, de dados informativos arqueológicos e literários, de doutrinas teológicas presentes na época, nos mostram, com um grau muito grande de precisão, o que não se pode afirmar sobre a época e, em contrapartida, o que se pode afirmar.

Um pequeno artigo informativo como esse não pode apresentar esses detalhes todos, mas pode indicar onde procurar. Autores como John Dominic Crossan, Geza Vermes, Bart Ehrmann, Elaine Pagels e Karen Armstrong, com livros disponíveis em português, são um excelente começo. Ali estão apresentações sistematizadas que evidenciam largamente nosso ponto de vista. Nosso estímulo é: leia-os e estude-os. E isso é apenas um começo.

Todavia, podemos elencar aqui algumas das conclusões de um gigantesco número de estudiosos representados pelos autores acima. São elas:

A)    Os Evangelhos foram escritos muito tempo depois de Jesus ter sido morto, datando o mais antigo deles, o Evangelho segundo Marcos, de aproximadamente 50 anos da morte do Rabi da Galiléia. Os Evangelhos segundo Mateus e Lucas cerca de 70 anos e o Evangelho segundo João, quase cem anos após o decesso do Mestre;

B)    Nos chamados Evangelhos Sinóticos – Mateus, Marcos e Lucas – não há referências específicas sobre a Deidade de Jesus, ainda que neles ele seja apresentado como um ser humano que efetivamente demonstrava uma relação de intimidade com o Pai, Deus, considerado como Pai de todos nós e não especificamente dele, Jesus;

C)    O Evangelho segundo João, provavelmente escrito por um judeu convertido ao Cristianismo oriundo de Alexandria, uma das principais capitais intelectuais do Império Romano naqueles dias, reflete uma teologia cristã que não era unanimemente aceita por todos os cristãos deste período, atribuindo a Jesus falas e diálogos elaborados que muito mais refletem a crença do autor do texto do que de fato o que Jesus pregou, máxime no que concerne a sua própria pessoa;

D)    É historicamente possível traçar as sucessivas visões que se tinham de Jesus, desde os primeiros anos do Cristianismo nascente até a declaração final de sua co-Divindade com Yahweh, o Pai, no concílio de Nicéia em 325 da Era Comum, mostrando um espectro de entendimentos sobre a figura do Rabi da Galiléia que vai desde um ser humano comum que é escolhido como profeta e messias – ungido salvador dos hebreus e eventualmente de toda a humanidade – passando por um ser de Luz oriundo de uma elaborada hierarquia celestial, até se chegar à idéia de Deidade Absoluta que se tornaria, com o passar dos séculos e muitas disputas, a idéia vencedora no seio da cristandade;

E)     Os posteriores acréscimos teológicos que remeteriam à Deidade de Jesus foram sendo paulatinamente incorporados aos textos evangélicos ou mesmo desenvolvidos neles – como é o caso do Evangelho segundo João – na medida em que os cristãos confrontavam suas crenças com as de outras religiões e com filosofias que muito empolgavam as mentes intelectuais do primeiro e segundo século da Era Comum. Sendo assim, tópicos como a ressurreição em carne e sangue, a virgindade de Maria quando concebe Jesus, a morte sacrificial e ressurreição de um deus – ou de Deus – bem como outros ensinos e os correspondentes ritos cristãos oriundos disso eram uma elaboração responsiva à mitologia dos povos e grupos a quem se pregava o Evangelho – boa notícia em grego – profundamente tocados por ensinos dos Mistérios Dionisíacos, Dos Mistérios de Isis, dos Mistérios Mitraicos, da Gnose e da associação interpretativa genial dos textos sagrados hebraico-aramaicos com os de filosofia feitos por um contemporâneo judeu de Jesus, Fílon de Alexandria.

Sendo assim, podemos reafirmar a Quarta Hipótese: Jesus de Nazaré jamais declarou sua divindade, ao contrário, essa lhe foi atribuída por seus seguidores, especialmente os discípulos intelectuais greco-romanos, sobretudo muito tempo depois de sua morte, quando a disposição intelectual cosmopolita afeita à cultura do Império Romano desmontava mitos variados e os reunia em uma síntese cada vez mais elaborada e expansiva. Coube à figura idealizada de Jesus ser o ponto nodal desse esforço, por parte de seus discípulos tardios.

O bom cristão que ler essas linhas, lhes dando algum crédito, poderá perguntar então: sendo assim o que sobra? Quem de fato foi Jesus?

Ora, este é um blog espírita e deste modo é natural que a resposta dada seja obviamente oriunda da doutrina espírita.

Nós espíritas não temos o menor receio de endossar as conclusões historiográficas sobre Jesus de Nazaré uma vez que, de nossa perspectiva, quando as Ciências e as disciplinas acadêmicas se pronunciam sobre seus precípuos objetos de estudo, elas são a autoridade a ser respeitadas e não uma revelação religiosa, por mais respeitável que o seja.

E o que as pesquisas acadêmicas mais recentes nos falam a respeito do Rabi da Galiléia é de um ser humano extraordinário, mas ainda assim um ser humano, um ser humano pleno, integral, congruente com sua percepção da humanidade, de seu povo, do ambiente sócio-cultural-político em que vivia e com as reais necessidades espirituais das pessoas, necessidades essas perfeitamente sintetizadas por Jesus na realidade insofismável, do seu ponto de vista espiritual, de que há um Criador a quem podemos e devemos chamar de Pai, independente de raça, religião, status político ou econômico. Um Pai com quem podemos e devemos nos relacionar e que pede de nós tão somente e principalmente que consideremos o próximo – todo e qualquer ser humano – como irmãos e irmãs, literalmente falando, porque Ele, o Pai, é Pai de todos e somos todos uma imensa família. E que quando nos tratamos sistemática e persistentemente como família, o Reino desse Pai, Reino de paz, de justiça, de perdão e de felicidade, se torna uma realidade concreta em nossas vidas, um grande banquete onde todos celebramos a Paternidade divina e a irmandade de todos para com todos.

Mas a Doutrina Espírita vai além do que se pode concluir com base nas pesquisas dos sábios em suas cátedras. Soma a elas a afirmação de que Jesus de Nazaré foi e é um espírito imortal, como eu e você, que evoluiu em incontáveis vidas reencarnando e desencarnando até chegar a um estado de ser que, por falta de um vocabulário mais específico, chamamos de puro e perfeito. E que veio até nós como ser humano integral reencarnando há cerca de 2.000 anos para reforçar para nós, seus irmãos menores, pequeninos e ainda vacilantes, as excelências morais de se trilhar o caminho do Bem, do Belo e do Verdadeiro, que é o caminho do Amor-Caridade.

Esta visão nos é apresentada em nossa Doutrina em dois momentos muito significativos, mas não exclusivos: em o Livro dos Espíritos, pergunta número 625 e sua resposta com comentário de seu organizador, e no Livro A Gênese, capítulo XV, escrito pelo codificador do Espiritismo contemporâneo, nosso irmão Allan Kardec. Nosso convite a você, que nos lê, é esse: Leia e medite na questão acima indicada do Livro dos Espíritos, com sua respectiva resposta e, em seguida, leia as explicações que o Espiritismo nos fornece sobre a figura de Jesus no interessantíssimo livro de Kardec, A Gênese. Se seu coração estiver aberto a novas possibilidades, é nosso entendimento sincero de que você não irá se arrepender e um novo e maravilhoso horizonte interpretativo se abrirá em sua mente, empolgando-lhe com uma história de 2.000 anos que lhe parecerá paradoxalmente antiga e atualíssima.

Imagem 1 – Fonte: http://smarana.files.wordpress.com/2010/09/duvida.jpg

Imagem 2 – Fonte: http://www.nndb.com/people/238/000044106/cs-lewis-sized.jpg

* postado originalmente em 01/02/2013 em httpblogcristianismoespiritismo.blogspot.com.br

‘A Igreja muda ou acaba’, diz teólogo brasileiro *

  • Mário França crê que o modelo atual da Santa Sé trai a origem da fé católica

Helena Celestino (Email)
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Transição. Bento XVI caminha após sua audiência no Vaticano na quarta-feira: seu sucessor vai herdar uma série de desafios e problemas que o Papa atual não conseguiu resolver, desde escândalos na Igreja à disputas internas por poder na Cúria de Roma Foto: Tony Gentile/Reuters
Transição. Bento XVI caminha após sua audiência no Vaticano na quarta-feira: seu sucessor vai herdar uma série de desafios e problemas que o Papa atual não conseguiu resolver, desde escândalos na Igreja à disputas internas por poder na Cúria de Roma Tony Gentile/Reuters
Por onze anos, Mário França, 76, fez parte da Comissão Teológica do Vaticano, onde conquistou o respeito do então cardeal Joseph Ratzinger. Hoje, professor da PUC-Rio e autor de obras sobre a teologia, defende uma nova Igreja, longe da hierarquia e das ortodoxias de Roma, e com espaço para gays e padres casados.

O GLOBO: Como a Igreja vai sobreviver ?

Mário França: Chegou um momento em que a Igreja, só com os oficiais, padres, bispos e Papa, não aguenta mais. Esta estrutura foi uma traição à Igreja primitiva, em que todo mundo participava e tinha direitos iguais de participação. Todos são iguais, não tem homem, mulher, judeu, gentio ou escravo e senhor. Depois a Igreja erigiu uma estrutura monárquica, um pouco copiada de Roma. Foi consequência da chegada dos príncipes, que começaram a nomear parentes para tomar conta das muitas propriedades da Igreja. Era preciso estruturar ou tudo ia ficar na mão de famílias poderosas, nobres. Para evitar isso, o laicado foi afastado do poder da Igreja – o laicado não era o povão, eram estes príncipes que estavam cada vez incomodando mais. Passou o tempo e a Igreja ficou identificada por seus bispos, padres etc. É errado, né? Todo cristão, todo católico, tem o direito de formar um grupo, com o qual a hierarquia não pode se meter. A Igreja do futuro vai ser predominantemente leiga ou então não vai aguentar.

O Grupo de diversidade católica, que reúne gays, é um exemplo do que o senhor está dizendo?

Mário França: Exatamente. É um grupo de pessoas que são assim. A Igreja não pode excluir, tem de atender todo mundo. É uma maneira de a Igreja mostrar sua abertura. A consciência histórica é lenta. Teve um tempo que os missionários se perguntavam se tinham que batizar ou não os negros da África, por que não sabiam se eram animais ou gente. Muita coisa que achamos normal hoje, daqui a 50 anos será considerada intolerável. Os laicos vão obrigar a Igreja a criar um espaço de debate público, que não existe. A qualquer problema, corre-se para o bispo.

Mas as mudanças têm sido lentíssimas.

Mário França: Não se mexe da noite para o dia com 1,2 bilhão de pessoas. Não se podem criar traumas, as pessoas têm mentalidades muito diversas e, como diz o Rubens César Fernandes, do Viva Rio, o importante é que a gente mantenha todo esse pessoal dentro da Arca de Noé. Os sociólogos dizem que tudo pode mudar, menos o religioso, porque o ser humano tem necessidade de segurar alguma coisa. A gente percebe que isto não tem sentido. O sagrado também é construído através de uma linguagem e de práticas.

Esta posição está afastando muita gente.

Mário França: É, há paróquias que viraram agências de fornecer sacramento, isto está condenado. Tem de ter o sentido missionário. É o que se está tentando fazer agora. Mas é lento. Quando eu fui da Comissão Teológica do Vaticano, não tinha nenhuma mulher, agora já tem quatro. Não há dúvidas de que o fim do celibato já deveria ter acontecido, Paulo VI era a favor disso – mas uma coisa destas vai mudar a estrutura.

A questão da contracepção também está mais do que na hora de ser enfrentada.

Mário França: São questões morais que têm se ser mudadas, mas é uma coisa lenta. No papado de João Paulo VI, o cardeal de Bruxelas disse: na minha arquidiocese é permitido camisinha – ele estava com um problema seríssimo de explosão de Aids entre trabalhadores imigrados. Resolveu assumir e disse: aqui é preciso usar camisinha. O Vaticano não disse uma palavra.

A Igreja não vem conseguindo acompanhar as mudanças sociais?

Mário França: São rapidíssimas. Na PUC, a mudança de uma geração para a outra se dava em 20 anos, depois passou para 10, agora com dois ou três anos, você já vê aluno do quarto ano que não consegue entender o calouro. É uma sucessão vertiginosa que não conseguimos mais acompanhar, que provoca um curto-circuito na cultura.

Quem é o mais progressista entre os candidatos a Papa?

Mário França: Os cardeais terão de fazer um perfil de uma pessoa que entenda o mundo e saiba enfrentar esses desafios todos. Tem de ter boa formação pastoral e intelectual, capaz de se cercar de pessoas competentes. Tem um candidato de Honduras, Luis Alfonso Santos, que é uma pessoa muito possível de dar um bom Papa. Sabe línguas, é sensível, mora no país mais pobre da América Central: é uma pessoa que marca pela inteligência. Tem Luiz Antonio Tagle, um filipino progressista também, mas ele é muito novo. Tem 55 anos. Mas eu duvido que queiram colocar um cardeal de 50 anos, pois ele ficaria 30 anos. A turma não quer isso não. Cardeal Ravasi, encarregado da Cultura, também é muito aberto.

Resumindo: o senhor diz que a Igreja tem de mudar?

Mário França: Já está mudando. Ou muda ou acaba. É um momento sério da sociedade, faltam líderes. Onde estão os Churchill, De Gaulle, Adenauer? Não tem mais, está faltando líder. Na Igreja também, e os problemas são muito grandes. As religiões têm um papel muito forte no mundo de hoje, e a Igreja tem de ser uma reserva ética, apesar dos mal feitos da cúpula.


Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/mundo/a-igreja-muda-ou-acaba-diz-teologo-brasileiro-7596687#ixzz2LG7AYnXI



FONTE: sítio eletrônico do jornal “O Globo”
http://oglobo.globo.com/mundo/a-igreja-muda-ou-acaba-diz-teologo-brasileiro-7596687   

(Colaboração: matéria gentilmente enviada pelo colega Célio Braga).

* publicado originalmente em 18/02/2013 em httpblogcristianismoespiritismo.blogspot.com.br

‘Cansaço físico é apenas a moldura da decisão do papa’ *

Entrevista: Ezio Mauro

 Papa Bento XVI acena para os fiéis pela última vez da sacada de sua residência de verão em Castel Gandolfo

A explicação oficial inicial para a renúncia do papa Bento XVI, anunciada na última segunda-feira, foi a perda das forças físicas. Um motivo surpreendente, particularmente depois que o mundo – bem como Joseph Ratzinger – acompanhou o calvário de seu antecessor,João Paulo II. Aos poucos, no entanto, Bento XVI foi dando novos esclarecimentos, que descortinaram outros motivos para a imprevista renúncia.
Na missa da Quarta-Feira de Cinzas, o papa denunciou que“o rosto da Igreja é por vezes desfigurado por pecados contra a unidade da Igreja e divisões do corpo eclesiástico”, e lembrou que Jesus denunciou “a hipocrisia religiosa” e aqueles que buscam o aplauso e a aprovação do público em vez da simplicidade. Ratzinger não foi específico, mas, para um dos maiores jornais da Itália, o La Repubblica, que levantou a bandeira dos motivos políticos já na segunda-feira, o discurso do papa se dirigia abertamente a Tarcisio Bertone, o cardeal indicado por Bento XVI para secretário do estado do Vaticano. Diretor do jornal, Ezio Mauro afirma, em entrevista ao site de VEJA, que o objetivo do papa com a sua renúncia era derrubar o governo de Bertone, já que no papado lhe faltavam forças para revolucionar internamente o Vaticano. Confira a entrevista:
La Repubblica possui informações seguras de dentro do Vaticano confirmando que os motivos da renúncia do papa são políticos? Imediatamente após a renúncia escrevemos que as razões para a perda de vigor físico, a idade que avança, o cansaço são certamente apenas a moldura de sua decisão. Na quarta-feira, o papa disse abertamente que existem outras razões. Nós dissemos imediatamente que o cansaço era um desacordo profundo com a Cúria, com o modo pelo qual a Cúria é governada e, ao mesmo tempo, a quase incapacidade de mudar essa situação com um papa idoso, que se sente cansado para revolucionar todo um sistema do Vaticano. Então, a sua demissão responde a seus desejos pessoais, físicos e morais de ter um pouco de tranquilidade e se associa também à necessidade, nessa sua estrada, de zerar o governo da Igreja.
 
La Repubblica defende em seus artigos que o objetivo do papa era derrubar o seu próprio secretário de estado, Tarcisio Bertone. O que mudaria na Igreja sem Bertone? É automático nas regras do Vaticano que, quando um papa renuncia, o secretário de estado, que foi indicado pelo próprio papa, também cai. Assim acaba automaticamente o reinado de Bertone. O próximo papa será um soberano absoluto que pode escolher se quer manter Bertone ou nomear um outro secretário de estado. Com a renúncia do papa, termina o governo de Bertone. Dizem que o papa é contrário aos métodos usados pela secretaria do estado, sobretudo nos últimos anos, e piorou com os escândalos em que o Vaticano se meteu, o vazamento de informações, o corvo [referência ao mordomo Paolo Gabriele]. Então, com o discurso muito duro que ele pronunciou na quarta-feira, sobre as divisões dentro da Igreja, as personalidades que deturpam a imagem da Igreja, ele se dirigiu à cúpula do poder da igreja. É como se o papa tivesse dito ‘eu falei da minha doença, da minha fraqueza física, e, na alma, também falo da doença da Igreja’. Certamente isso também influenciou a decisão do papa.
Em um vídeo publicado na segunda-feira no Repubblica TV, o senhor comenta que a renúncia representa a modernização da Igreja. O senhor se referia à justificativa humana de Joseph Ratzinger ou à possibilidade de uma transformação na forma como opera a Igreja? Às duas coisas ao mesmo tempo. Eu disse que essa renúncia é a irrupção da modernidade dentro de uma estrutura secular porque o homem, com as suas fraquezas, com a diminuição de suas forças físicas, emerge, vem à luz, e não tanto a figura santa, sagrada do papa. É a pessoa física. E isso é um sinal de modernização. Além disso, de qualquer forma, a dessacralização do papa, que permanece certamente como figura de referência para todos os católicos, mostra que ele também é um homem e que é preciso levar em conta as debilitações humanas, as suas forças. Tudo isso transformará a Igreja, pois se o papa se demite porque lhe faltam as forças, a escolha de seu sucessor deve levar isso em conta. Então haverá os critérios espirituais, de autoridade, mas também os físicos, de idade, o caráter, o estado da alma. Nesse sentido, há uma modernização da Igreja.


FONTE: Revista Veja
http://veja.abril.com.br/noticia/internacional/%E2%80%98cansaco-fisico-e-apenas-a-moldura-da-decisao-do-papa      * postado originalmente em 18/02/2013 em http://httpblogcristianismoespiritismo.blogspot.com.br/

Pesquisa sobre psicografia pode ajudar a desvendar mediunidade *

Médico goiano integrou equipe de cientistas que analisou o cérebro de médiuns em processo de transe. Resultados inéditos colaboram para romper paradigmas científicos

Fernando Leite/Jornal Opção
Leonardo Caixeta, doutor em Neurologia: “Nós não podemos negar um fenômeno que existe, que está a olhos vistos, que qualquer cientista honesto tem de reconhecer: nós somos seres espirituais”
Thiago Burigato

Poucas vezes a fronteira entre a fé e a ciência costuma ser testada por pesquisadores. Muitas vezes, o preconceito e o temor de críticas por parte de seus pares impedem cientistas de ir fundo em questões que poderiam levar o conhecimento humano a compreensões que a razão pura e o senso comum não conseguiriam vislumbrar. No entanto, vez ou outra um grupo de estudiosos resolve romper as amarras pré-estabelecidas, pesquisar o que poucos consideraram antes e chegar a conclusões surpreendentes, que prometem romper paradigmas e abrir portas para novas possibilidades.Leonardo Caixeta, doutor em Neurologia pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), é um dos que se se dispõem a averiguar o que outros não se atreveriam. Juntamente com outros três cientistas brasileiros e um estadunidense, ele iniciou em 2008 um estudo que buscava aferir o que acontece na cabeça de um médium no momento do suposto contato com o sobrenatural. Pu­blicada em novembro deste ano, a pesquisa recebeu o reconhecimento da comunidade científica internacional e tem suscitado debates sobre os novos rumos dos estudos científicos — cada vez mais receptivos ao espiritual, mas ainda entremeados de preconceitos.Caixeta relata que a ideia da pesquisa veio exatamente por conta de os membros do grupo se sentirem incomodados com o predomínio do paradigma materialista, o que, segundo ele, limita a ciência, impossibilitando que novos ramos sejam explorados e novas descobertas sejam feitas. “É importante que a ciência se dedique mais a isso (a explorar novas áreas), porque ela não pode ser parcial. A ciência não pode estudar só um campo e deixar outro de lado, porque ela não tem preconceito”, afirma. “A ciência talvez seja a coisa mais democrática que o ser humano tenha criado até hoje, porque ela não tem dogmas. Ciência é o método científico. Se você conseguir comprovar o que está falando usando métodos, eu sou todo ouvidos para lhe escutar.” Há quatro anos, Caixeta e professores da Universidade de São Paulo e da Universidade Federal de Juiz de Fora — Julio Peres, Alexander Moreira-Almeida e Frederico Leão — decidiram estudar os limites entre as experiências materiais e as experiências extracorpóreas usando metodologias científicas. Para este fim, o grupo entrou em contato com Andrew Newberg, renomado neurocientista estadunidense que já participou de estudos referentes a possessões demoníacas e realizou estudos sobre o processo de transe de monges budistas. Em seu laboratório, no Hospital da Univer­sidade da Pensilvânia, na Fila­délfia, os cientistas puderam analisar os cérebros de dez médiuns brasileiros durante o processo de psicografia. Os objetos de estudo não tiveram seus nomes revelados. Eles eram todos registrados na Federação Espírita Brasileira (FEB), que apoiou os cientistas no trabalho que estavam desenvolvendo. Os médiuns, seis mulheres e quatro homens, se voluntariaram para participarem da pesquisa, mas só foram selecionados após um longo processo de triagem. Estavam entre os pré-requisitos em que deveriam se encaixar: não sofrerem problemas de saúde, serem destros, não portarem nenhum transtorno mental (como esquizofrenia, depressão, autismo ou bipolaridade, por exemplo) e não fazerem uso de nenhum medicamento psiquiátrico. Era essencial para os cientistas que metade dos médiuns tivesse várias décadas de experiência com psicografia, enquanto a outra metade tivesse apenas alguns anos de prática de contato com o mundo espiritual. O procedimento a que foram submetidos é conhecido como Spect, ou Single Photon Emission Computed Tomogra­phy, na sigla em inglês (ou “Tomografia Computadorizada de Emissão de Fóton Único”, em português). Ele consiste na aplicação de substâncias radioativas na corrente sanguínea, que permitiriam o mapeamento da atividade cerebral dos mé­diuns por meio do fluxo sanguíneo.
A hipótese dos cientistas, ou seja, o resultado que eles esperavam encontrar com o estudo, era o que qualquer cético poderia intuir sobre o processo psicográfico: que as áreas do cérebro ligadas à criatividade e ao planejamento — as que são comumente usadas durante o processo de desenvolvimento e escrita de um texto — seriam as mais trabalhadas. Essas re­giões, então, receberiam maior fluxo sanguíneo, o que seria evidenciado pelo exame.Os resultados, porém, foram surpreendentes: os cérebros dos médiuns estudados, especialmente daqueles mais experientes, apresentaram pouca atividade enquanto elaboravam os textos supostamente influenciados por espíritos. O lóbulo frontal, a parte do cérebro responsável pelo planejamento e pela criatividade, teve atividade muito inferior ao que era esperado para ocorrer em um processo complexo que envolve a concentração, a organização de ideias, a escolha de palavras, a elaboração de um discurso lógico etc.De forma contrastante, quando submetidos ao mesmo procedimento fora do transe mediúnico, incitados a escreverem uma redação de autoria própria, os médiuns apresentaram atividade intensa no lóbulo frontal, ainda que os textos desenvolvidos tenham complexidade muito inferior aos produzidos durante o processo psicográfico. A hipótese, sugerida pelos próprios objetos de estudo e endossada por Caixeta, é a de que durante o contato com os espíritos, o cérebro dos médiuns funcionaria como que em uma espécie de piloto automático, anulando a individualidade e permitindo que seus corpos funcionassem como uma ferramenta suscetível à influência dos espíritos para a realização de uma determinada atividade. Nesse processo, o metabolismo dos médiuns estaria desacelerado e suas próprias personalidades e raciocínio não estariam expostos, o contrário do que ocorre durante a execução de uma tarefa consciente e planejada. A maior atividade percebida no cérebro dos cinco médiuns menos experientes durante a psicografia, quando comparados àqueles que já possuíam vários anos de prática, pode sugerir que quanto mais experiência a pessoa tiver com a mediunidade, mais aberta ela se torna a receber manifestações espirituais e mais ela se entrega à atividade mediúnica, permitindo a uma suposta entidade atuar sobre ele de forma mais fluida. Quanto menor a experiência do médium, menos propenso ele seria para a recepção de influência espiritual e mais de sua personalidade estaria presente no processo psicográfico.
.O Oresultado obtido com o experimento deixou perplexos os cientistas envolvidos, mas não os médiuns submetidos aos testes. Familia­rizados com o que a literatura espírita diz sobre o assunto, eles já supunham qual seria a conclusão do estudo.Apesar de inédita e perfeitamente consistente com os rigores científicos, os estudiosos temiam que a pesquisa não pudesse ser publicada devido a sua natureza voltada para o que é considerado sobrenatural. O motivo da apreensão era relacionado à recepção de pessoas ligadas à comunidade acadêmica, ainda muito preconceituosa com determinados temas. Muitos cientistas que às vezes tem vinculação religiosa — não é porque é cientista que tem de ser ateu — sempre tiveram alguma hesitação de começar a entrar nesse campo por parte da receptividade da comunidade acadêmica. “Nós no início hesitamos de entrar nesse caminho. Tínhamos preocupações como ‘será que vamos conseguir verba para fazer essa pesquisa? Será que vamos conseguir publicar esses dados?’ ”, conta Caixeta. A publicação de um estudo em uma revista científica é a validação de que ela foi aceita e reconhecida por seus pares. “Se a pesquisa é publicada no Brasil, ela é reconhecida pela comunidade científica nacional. Se é publicada fora, é reconhecida pela comunidade internacional”, explica. Sem a publicação, todo o esforço e investimento empreendidos para a realização de um estudo seriam em vão. Os temores da equipe de cientistas, contudo, se mostraram injustificados depois que a quarta mais importante revista científica do mundo, a “PLoS One”, reconheceu a qualidade do trabalho realizado e efetuou sua publicação em novembro deste ano sob o título “Neuroimagem durante o estado de transe: uma contribuição ao estudo da dissociação”. Caixeta afirma que, nos cinco primeiros dias após a publicação, o estudo foi acessado cerca de 5 mil vezes, o que comprovou o reconhecimento da comunidade internacional. O cientista avalia também que os dados revelam maior interesse e maior receptividade a esse tipo de achado, fato que surpreendeu os autores do projeto. As críticas, parte do processo acadêmico, ainda não começaram a chegar, dado o curto tempo decorrido desde a publicação da pesquisa. Caixeta, porém, tem a expectativa de que elas se limitem a pontos referentes à forma como o experimento foi conduzido, como, por exemplo, a utilização de uma amostragem muito pequena, ou talvez algum questionamento sobre o processo de aferência dos dados. “Em ciência você não pode chegar e falar ‘eu não acredito!’. É diferente da religião, onde você pode chegar para um padre e dizer: ‘eu não acredito no que você está falando’. Em ciência você segue um método, todas as informações são relatadas. Então, se houver alguma crítica, ela vai ser voltada para questões metodológicas”, diz. A continuidade do estudo está nos planos de Caixeta e de outros cientistas goianos. Em parceria, eles pretendem ampliar a quantidade de objetos de estudo e replicar os procedimentos para verificar se os resultados se repetem. Outras situações mediúnicas também devem ser alvo de análise. Enquanto alguns dizem ter somente a capacidade de reproduzir textualmente as mensagens dos espíritos, outros teriam a habilidade de transmiti-las por meio da própria voz ou da pintura, por exemplo, e esses casos seriam levados em consideração em outras pesquisas. Caso os próximos procedimentos apenas confirmem os dados relatados, esse experimento pode ajudar a escancarar as portas para um viés da ciência voltado para o estudo daquilo que tem uma base extramaterial, que possivelmente jamais seria alvo de estudo dentro da ciência materialista. Como frisa Caixeta, o objetivo da pesquisa da qual ele fez parte nunca foi provar a existência (ou a não existência) de Deus, mas sim estudar um fenômeno abundante em culturas de todo o mundo e que tem relevância especialmente em terras brasileiras. Mas, como parte de uma vertente da ciência voltada para o religioso e para o espiritual, o estudo pode ajudar a romper com paradigmas e a estabelecer definitivamente uma tendência voltada para a pesquisa do sobrenatural e do imaterial.
Caixeta defende que a ciência não se baseie em preconceitos e que os cientistas, em especial os da área médica, não fechem os olhos para novas possibilidades. “Segundo a Organização Mundial da Saúde, nós somos seres físico-psíquico-sócio-espirituais. Então nós temos uma vertente física, um viés psicológico, um lado social e uma dimensão espiritual. Portanto, nós não podemos deixar de contemplar isso”, diz. “Isso é especialmente caro para as ciências médicas porque em Medicina nós nos deparamos com situações em que o médico precisa ter um conhecimento maior nessa área para não se deixar enganar por determinados diagnósticos e também para tratar melhor seu paciente dentro do seu âmbito cultural.”Segundo Caixeta, apesar do preconceito ainda entranhado no meio, a ciência hoje segue a tendência de dar cada vez mais relevância ao lado espiritual do ser humano. Essa tendência, diz, é irreversível. “Nós não podemos negar um fenômeno que existe, que está a olhos vistos, que qualquer cientista honesto tem de reconhecer: que nós somos seres espirituais. Isso significa que nós temos aberturas a manifestações, fenômenos e entendimentos que estão além do nosso corpo”, afirma. “Passamos por um momento em que se torna necessário aproximar o método científico dos fenômenos religiosos e espirituais, de toda essa antropologia da religião e da conexão do homem com Deus.” .

FONTE: Jornal Opção Edição 1952 de 2 a 8 de dezembro de 2012 Fé e Ciência http://www.jornalopcao.com.br/posts/reportagens/pesquisa-sobre-psicografia-pode-ajudar-a-desvendar-mediunidade

Agradecimentos ao colega Adolfo Simon, que nos enviou a reportagem do Jornal Opção em DEZ/12, e aproveitamos para pedir desculpas pela demora em publicá-la.
* publicado originalmente em 22/02/2013 em http://httpblogcristianismoespiritismo.blogspot.com.br/

Mitos não são mentiras mas…  serão verdade? *

Por Douglas.

Fonte: http://www.jetdicas.com/img/fotos/caixa%20de%20pandora%204.jpg

  Antes de tudo quero começar falando a vocês, caros leitor e leitora, um pouco a respeito da linha do horizonte. A linha do horizonte é aquela onde se encontram, para o seu olhar, o céu e a terra quando você olha muito distante. Ou o céu e o mar quando você está na beira da praia ou navegando. Mas o que isso tem a haver com o nosso assunto? É que essa bela imagem, a do horizonte, é utilizada por um grupo de cientistas sociais de várias disciplinas para definir uma coisa chamada por eles de Horizontes Culturais. E essa definição é muito importante no contexto de nosso pequeno artigo para esse blog. Um Horizonte Cultural ou Civilizacional é o conjunto de valores, significados, conceitos, idéias e sonhos experienciados por uma civilização em todos os aspectos socio-culturais possíveis de se identificar nela, junto com seu desenvolvimento tecnológico, econômico e político. É, evocando-se a imagem, até onde as pessoas que vivem em uma civilização conseguem enxergar dentro do mundo em que vivem, respondendo assim às necessidades de tempo e lugar de suas experiências. O filósofo Ken Wilber, um dos maiores pensadores do século XX, utiliza uma outra palavra para se referir aos Horizontes Culturais. Ele utiliza o termo cosmovisão, que é a palavra que passaremos a usar à partir daqui. Sintetizando os estudos de diversos pesquisadores em seu livro Uma Breve História do Universo – de Buda a Freud, ele descreve cinco cosmovisões básicas e claramente distintas na história humana, a saber:

  •  a arcaica, de desenvolvimento tecnológico/econômico forrageiro e organização social tribal;
  •  a mágica, de desenvolvimento tecnológico/econômico horticultor e organização social tribal e de aldeias;
  •    a mítica, de desenvolvimento tecnológico/econômico agrário e organização social em Estados primitivos;
  •  a racional, de desenvolvimento tecnológico/econômico industrial e organização social em nações-Estados;
  •   e a existencial, de desenvolvimento tecnológico/econômicoinformacional e organização social planetária.

É importante que eu lhes diga nesse momento que à medida que uma sucede a outra, com seus períodos de transição, a cosmovisão seguinte transcende a anterior, NUNCA anulando o que vem antes, mas transcendendo a primeira, indo além  ressignificando e incorporando os elementos da que lhe antecede. E o que isso tem a haver com nossas considerações sobre mitos, mitologia e o seu valor presente em nossas sociedades? É que ao assimilar os elementos constitutivos dos Horizontes Culturais precedentes, nossa cosmovisão existencial tem de lidar com o conteúdo que veio antes e, repito, dar novos significados e valores a esse conteúdo. Isso é muito importante! E assim o é porque não somos seres isolados de nosso passado ancestral. Assim como carregamos as marcas de nossos estágios evolutivos passados na esfera física, com sua perspectiva mineral, vegetal e animal, carregamos igualmente as forças psíquicas e espirituais que nos precedem, para que possamos evoluir, transcendendo. Sendo assim, conhecer estas perspectivas em seus aspectos básicos e gerais nos ajudará a discernir e compreender a razão de os mitos e das mitologias serem tão importantes até hoje, sobretudo quando tratamos do tema religião, quando não raro o que se trabalha em nossos corações e mentes nesse assunto é feito de conteúdos e invólucros mentais que assimilamos, quase sempre de modo inconsciente, de acordo como doutor Carl Jung como verdades inquestionáveis, no pior e mais negativo sentido que é dado ao termo dogma. Vamos então dar uma rápida olhada no que é que o filósofo Ken Wilber nos traz sobre o horizonte mítico-agrário. Em resumo apertado, podemos verificar que nessa cosmovisão surgida entre 4.000 a 2.000 anos A.E.C., substitui-se a enxada pelo arado, muito pesado e difícil de manusear, provocando um esforço que, uma vez executado, permitia uma produção de alimentos muito maior do que a fase anterior, a mágico-horticultora.

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Mas nisso tem-se um preço duro a se pagar: a mulher deixa de ser um membro produtivo da comunidade, se tornando o membro exclusivamente reprodutivo. Isso se dá porque uma mulher grávida pode cavucar a terra com uma vara ou uma enxada para semear, mas se ela manuseia o arado, os índices de aborto começam a subir assustadoramente, o que rapidamente foi percebido por ambos os sexos. Sendo assim, os homens param de ser caçadores e coletores em tempo integral e as mulheres tem de se recolher ao lar e à criação dos filhos. Tal fato é deveras significativo em vários aspectos. Primeiro, é aí que surge a estrutura do patriarcado, em substituição à divinização do feminino. Os homens aram a terra e fazem as guerras, logo, começam a dar as ordens na organização socio-política. Prova disso é que as deusas adoradas por todos desde então passam a ser substituídas por deuses como o elemento provedor espiritual do agregamento comunal. Conforme Wilber, em todo o planeta Terra mais de 90% das sociedades agrárias nesse momento adora deuses masculinos no lugar de suas contrapartes femininas. O mitólogo Joseph Campbell, no volume 2 de sua obra As Máscaras de Deus descreve que, então, as deusas adoradas passaram a ser vistas como as consortes, as esposas dos deuses masculinos, submissas e sujeitas a esses tal qual as mulheres estavam sujeitas nesse Horizonte Civilizacional aos homens, provedores e defensores de todos da comunidade. Porém há mais a ser dito. Com a abundância produtiva de alimentos crescendo, muitos homens – sempre homens – começaram a se especializar em outras atividades, tais como o comércio, a guerra, a contemplação, etc, permitindo com isso o surgimento de uma sofisticação não encontrada no período anterior. De fato, a moeda de troca, o comércio, a metalurgia, as guerras, as matemáticas e o culto religioso elaborado surgem nesse momento na história humana, com toda a gama de complexidade que a interação desses elementos acarreta. Um exemplo disso é a percepção de que ao invés de uma Grande Deusa ou Grande Mãe a tudo reger na biosfera terrestre, haveriam forças outras distintas, sobretudo masculinas, a ocupar um espaço sagrado próprio e a serem levadas em consideração pelos humanos. Começam assim a nascer os deuses diversos, que interagem entre si e com os seres humanos, imiscuindo-se em seus assuntos e influenciando-os para a melhor ou para a pior – e geralmente o encontro com uma divindade era para a pior para a parte mais fraca, nós – tão bem organizados em uma hierarquia celeste – do grego hyeros e arché: poder sagrado – quanto o eram os Estados primitivos. O aspecto da contemplação é particularmente importante para nossos estudos. O Homem passa a ser nesse período, de modo mais profundo e abrangente que no estágio evolutivo anterior, um contemplativo, um teorético. Começa a fazer teoria, palavra que vem do grego theyon oraos, isto é, vejo, contemplo o divino, conforme explicação da doutora Karen Armstrong em sua obra Uma História de Deus. Ora, o Homem desse período era um observador atento daquilo que acontecia ao seu redor e dentro de si, uma vez que, geralmente analfabeto, tinha de prestar atenção ao que acontecia dentro e fora de si como uma questão de sobrevivência, fato que o Homem contemporâneo tem dificuldade para vivenciar em uma sociedade de consumo fácil e de espetáculos onde matar o tempo em lazer é o que significa bem-estar para muitos. Mas o ser humano do Horizonte Agrário-mítico não podia se permitir ser assim. E quando ele se torna um teorético, um contemplativo, ele enxerga que dada a multiplicidade de forças ao seu redor e dentro de si, forças essas que não raro poderiam com muita facilidade lhe tirar a paz, o sossego, a saúde e mesmo a vida, ele precisa posicioná-las em seu devido lugar em relação a si. E esse lugar é acima de si mesmo, como força, como poder, como um deus com quem ele teria de interagir do mesmo jeito que o fazia com os outros homens: dialogando com eles, para tentar um entendimento; negociando com eles, para tentar um concerto de vontades; se submetendo em absoluto a eles, para aplacar a sua ira ou, em casos raros e extremados, guerreando contra eles com a ajuda de um ou mais deuses superiores, para que o status quo ante de harmonia pudesse ser restabelecido. E mais: o ser humano, por ser humano, precisa dar sentido às coisas que ele vivencia e ao que ele é para ser pleno, para estar satisfeito com a vida e seguir em frente. Sua natureza é dinâmica uma vez que ele interage com a natureza ao seu redor, com sua natureza íntima e entre si. Ao enxergar a multiplicidade de deuses, sua harmoniosa concatenação no arranjo de tudo o que existe – chamado por exemplo pelos gregos de kósmos, ordem – e as possibilidades que advém desse conhecimento em sua vantagem, o Homem passou também a se dedicar a explicar, com sua acurada observação das coisas e sua contemplação, a origem do mundo, dos deuses, do Homem e de todo o cosmo. Com isso nascem o mito e a mitologia. Efetivamente, a palavra mythos em grego significa: conto, estória, narrativa. Mas não estamos falando aqui de uma narrativa qualquer. Os contos dos irmãos Grimm também são contos, mas não são mitos. Ninguém fala do mito da gata borralheira, do mito da chapeuzinho vermelho, etc. Sendo assim, o que distingue os mitos de estórias populares? É que o mito é uma narrativa sagrada e explicativa da origem de algo: o cosmo, os deuses, o Homem, uma planta, uma estrela ou constelação e por aí vai. Essa narrativa sagrada geralmente – mas não exclusivamente – estará acompanhada de um ou mais significados simbólicos, perceptíveis ou não pelo ouvinte do mito. Para melhor nos fazermos entender, passo a citar o mitólogo e estudioso de religiões comparadas Mircea Eliade em sua obra Mito e Realidade: “A definição que a mim, pessoalmente, me parece a menos imperfeita, por ser a mais ampla, é a seguinte: o mito conta uma história sagrada; ele relata um acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso do “princípio”. Em outros termos, o mito narra como, graças às façanhas dos Entes Sobrenaturais, uma realidade passou a existir, seja uma realidade total, o Cosmo, ou apenas um fragmento: uma ilha, uma espécie vegetal, um comportamento humano, uma instituição. É sempre, portanto, a narrativa de uma “criação”: ele relata de que modo algo foi produzido e começou a ser. O mito fala apenas do que realmente ocorreu, do que se manifestou plenamente. Os personagens dos mitos são os Entes Sobrenaturais. Eles são conhecidos sobretudo pelo que fizeram no tempo prestigioso dos “primórdios”. Os mitos revelam, portanto, sua atividade criadora e desvendam a sacralidade (ou simplesmente a “sobrenaturalidade”) de suas obras. Em suma, os mitos descrevem as diversas, e algumas vezes dramáticas, irrupções do sagrado (ou do “sobrenatural”) no Mundo. É essa irrupção do sagrado que realmente fundamenta o Mundo e o converte no que é hoje. E mais: é em razão dos Entes Sobrenaturais que o homem é o que é hoje, um ser mortal, sexuado e cultural”. Simplificando então: o mito é uma narrativa de origem de algo que se dá em razão de uma manifestação do sagrado ou do sobrenatural na ordem das coisas, explicando assim sua origem e dando sentido para a existência desse algo. Aqui cabe algo importante a se dizer: os mitos não têm a intenção ou mesmo pretensão de ser um estudo objetivo, científico do universo e do Homem. Efetivamente, para o ser humano artesão de mitos, o universo não é uma coisa a ser estudada, medida, dissecada, decomposta, recomposta e reproduzida. O universo para o artesão de mitos não é um objeto, mas sim uma realidade vívida na qual se está inserido. E mais importante ainda: o universo é uma realidade na qual o Homem deve encontrar o seu lugar para que nunca ele se perca nos exageros para mais ou para menos, no descomedimento definido pelo termo grego hybris. Essa é a posição dos filósofos e mitólogos Jean-Pierre Vernant e Luc Ferry, nas obras A Sabedoria dos Mitos Gregos e O Universo, Os Deuses, Os Homens. Se o ser humano escutar os mitos e daí prestar atenção ao mundo dentro de si e ao seu redor, ele vai ver que, à parte a dor causada por calamidades naturais, os problemas humanos praticamente todos são os problemas de hybris/descomedimento, de descontrole, quando tenta ser menos do que é – um animal – ou mais do que é – um deus. Sendo assim, escutar os mitos era se conectar com uma sabedoria prática de vida que mostrava ao Homem seu lugar no mundo, lhe expunha a origem das coisas e dava sentido à sua existência, tudo à partir dos mitos. Os grandes momentos da vida: nascimento, crescimento, casamento, reprodução, trabalho, lutas, doenças e morte, enfim, tudo estava concatenado em uma rede de significados e valores. Agora você pode se perguntar: se os mitos são tão importantes assim, por que é que não os utilizamos mais? A abordagem da Filosofia e das Ciências não fazem o mesmo que os mitos, mas desta vez dizendo tudo às claras, sem linguagem simbólica, sem significados ocultos, sem apelos imaginativos e imagéticos? Não é tudo mais fácil agora? Precisamos ainda dos mitos na era existencial-informacional-planetária? Bem, vamos por partes. Lembra que eu lhe disse no início desse artigo que uma cosmovisão transcende a outra e que transcender não é eliminar o anterior porém, ao contrário, incorporá-la e ir além? Pois é. A cosmovisão ou Horizonte Civilizacional existencial-informacional-planetário não existe ignorando as conquistas humanas, sejam elas materiais ou espirituais do passado mas, muito pelo contrário, se valendo dela em outros contextos, dando-lhes outros significados e, acima de tudo, evidenciando seu real valor. Isto ocorre inclusive no que diz respeito à mitologia. Agora outra coisa: quem foi que disse que não usamos mais os mitos? Certamente nunca fui eu! Não só continuamos a usar os mitos antigos como inclusive criamos mitos novos! No que diz respeito a esses últimos, posso lhe indicar de preferência a leitura do volume 4 da série já citada, As Máscaras de Deus, do mitólogo Joseph Campbell. Trata-se de um estudo pormenorizado de como a mitologia ainda é importantíssima nos dias de hoje justamente porque continua a ser produzida pelo Homem, em circunstâncias bem variadas por sinal. Vamos a alguns exemplos: Adolph Hitler, o líder da Alemanha Nazista, resgatou do passado germânico de seu povo o mito dos Hiperbóreos, uma civilização que teria vivido há muito tempo no planeta na área que hoje é o círculo polar Ártico e que seria, no seu entendimento, os reais antepassados dos povos germânicos. O mito diz que eram a raça branca alegadamente pura e superior, inclusive possuindo poderes sobrenaturais em razão de sua pretensa pureza. Hitler e o staff místico da liderança nazista entendiam que, se conseguissem restaurar a pureza racial, cultural e política dos povos germânicos, que os Hiperbóreos retornariam na figura de seu povo e, recuperando seus poderes, seriam invencíveis. É assim que descrevem essa faceta mística de Hitler os pesquisadores J. H. Brennan em Reich Oculto e Paul Roland em Os Nazistas e o Ocultismo.

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Outro exemplo é a mitologia socialista criada em torno das premissas do filósofo e cientista político alemão Karl Marx. Em resumo apertado, pode-se dizer que a base de seu pensamento é: não há Deus, não há deuses, não há mundo espiritual, numênico, mas apenas o mundo material, fenomênico. A história é a interação dialética de duas forças muito materiais: a classe social dos que mandam e detém o poder e a classe social dos que obedecem e são explorados. Uma vez arregimentada a classe dos explorados para tomar o poder e derrubar os exploradores, pode-se criar uma nova era de paz, segurança e prosperidade em torno do ideal do igualitarismo. E isso estaria prestes a acontecer pois a estrutura econômico-financeira hoje em vigor com sua super estrutura sócio-política, a do Capitalismo e do Liberalismo político estaria tão debilitada que é uma questão de tempo até que ela chegue à ruína e tudo possa mudar. Voltando ao ponto anterior a esses dois exemplos, resta a pergunta: será que ainda continuamos a usar mitos antigos atualmente? A resposta não pode ser menos objetiva: sim! E de modo poderosíssimo. O maior exemplo disso se encontra no contexto das grandes religiões que continuam vivas em nosso planeta, tais como o Cristianismo, o Islamismo, o Judaísmo, as diversas vertentes do Hinduísmo, o Budismo e por aí vai. Em todas elas e em muitas outras o mito é parte constituinte e estrutural da religião, sendo mesmo sua essência. E é aqui que nossa verve espírita começa a se apresentar de modo mais explícito. Tomemos por estudo os dois casos que mais se aproximam culturalmente da Doutrina Espírita, por lhe antecederem e fornecerem subsídios de significados e valores, a saber, o Judaísmo e o Cristianismo. As Escrituras Sagradas Hebraico-Aramaicas, do Judaísmo e as Escrituras Gregas Cristãs, do cristianismo, enfeixadas no exemplar de nossas Bíblias Sagradas como antigo e Novo Testamento são um conjunto de escritos de autores e épocas diferentes que reúnem uma vasta gama de tipos de literatura: poemas, hinos religiosos, meditações filosóficas, textos de história sagrada, profecias e… mitos! Mitos, alguém pode questionar? Sim, mitos! Tanto no Antigo quanto no Novo Testamento. Certamente tal visão não é corroborada pela quase totalidade dos cristãos católicos e protestantes uma vez que, conforme nos explica Mircea Eliade no já citado Mito e Realidade, tanto judeus quanto cristãos já bem no início do estabelecimento de seu cânon de textos sagrados, consideravam seus escritos sacros como história simples, literal e direta e os textos sagrados dos outros povos como sendo mitológicos. E aqui, já divulgavam o termo mitológico como sinônimo de estórias inventadas pela imaginação, tal qual o termo é conhecido hoje, em contraposição aos alegados fatos inquestionáveis de suas Bíblias Sagradas. Todavia, a análise de seu material sacro indica muito claramente hoje que, do ponto de vista da historiografia, da Antropologia Arqueológica, da Sociologia aplicada ao passado dos povos do Levante e da região mediterrânea, dos estudos de Mitologias Comparadas, de Religiões Comparadas e de Simbologia, estamos sim lidando não com fatos históricos porém sim com mitos, belos e poderosos mitos, usados por essas duas grandes religiões, a judaica e a cristã com o mesmo sentido dos povos antigos: dar sentido à vida, mostrar ao Homem o seu lugar no universo, explicar a origem de tudo e para onde se dirige a humanidade. São, na imagem de Jesus de Nazaré em  Mateus 9:14-17Marcos 2:18-22 e Lucas 5:33-39, vinho novo em um odre velho e, se não forem respeitados e considerados como os bons mitos que são, romperão os odres dogmáticos nos quais foram colocados. Mas considerar um mito como um fato histórico não é o maior, digamos, descomedimento ou hybris literário por parte dessas religiões. O problema maior se situa no fato de doutrinas, conceitos e valores serem ensinados para os seres humanos como verdades imutáveis em razão da leitura equivocada dos textos sacros mitológicos como história, criando-se assim uma situação de desconforto entre muitos dos fiéis em diversos aspectos de sua vida pois, não querendo abandonar o aconchego espiritual de seus grupos religiosos, ao mesmo tempo não podem aceitar a literalidade das Escrituras Sagradas frente ao avanço das pesquisas científicas e filosóficas que dissecam as religiões e os fatos aos quais elas se referem, dando uma visão muito mais precisa e exata das coisas. E o problema fica maior quando muitos desses fiéis não encontram um pouso seguro e sadio para seus espíritos e resvalam para as tristes conseqüências de uma vida atéia, materialista e, o pior de tudo, hedonista. Tudo em parte porque os mitos não são respeitados e estudados como tais, perdendo assim sua poderosa carga simbólica e seu dinamismo imaginativo em nossas consciências, dando-nos também a força para seguirmos em nosso crescimento como seres humanos.   Diante disso tudo, a Doutrina dos Espíritos mais do que nunca nos apresenta, já desde o século XIX, quando o materialismo e o ateísmo começavam a assumir dimensões preocupantes, uma visão diferente, ampla e transcendental das sagradas escrituras míticas judaico-cristãs. Por exemplo, referindo-se ao mito judaico da criação à luz das ciências de sua época e da Doutrina dos Espíritos, o mestre Allan Kardec comenta, no item 59 de O Livro dos Espíritos (tradução de Evandro Noleto Bezerra) que: “Dever-se-á por isso concluir que a Bíblia é um erro? Não; mas que os homens se equivocaram ao interpretá-la”. Novamente, na questão de número 480 do mesmo livro, perguntados os Espíritos de Luz sobre uma passagem do Evangelho, irão muito além da pergunta ao responder que: “Uma coisa pode ser verdadeira ou falsa conforme o sentido que se der às palavras. As maiores verdades podem parecer absurdas quando se olha apenas a forma e quando se toma a alegoria pela realidade. Compreendei bem isto e guardai-o, pois é de aplicação geral”. Igualmente, tratando da resposta à pergunta 521 sobre o papel dos Espíritos Superiores no estímulo e proteção ao progresso das Artes, o Codificador irá comentar, em um tópico altamente pertinente aos estudos de mitologia, o que se segue: “Os Antigos haviam feito desses espíritos divindades especiais. As musas não eram senão a personificação alegórica dos Espíritos protetores das ciências e das artes, como os deuses Lares e Penates simbolizavam os Espíritos protetores das famílias. Entre os modernos, as Artes, as diferentes indústrias, as cidades, os países também têm os seus patronos ou protetores, que nada mais são do que Espíritos superiores, embora sob outros nomes”. Para tornar mais explícita ainda as explicações espíritas pertinentes aos fenômenos mitológicos, Kardec questiona na pergunta 537: “A mitologia dos Antigos se fundava inteiramente sobre as idéias espíritas, com a única diferença de que consideravam os Espíritos como divindades. Representavam esses deuses ou esses Espíritos com atribuições espirituais. Assim, uns eram encarregados dos ventos, outros do raio, outros de presidir à vegetação etc. Essa crença é destituída de fundamentos?“Tão pouco destituída de fundamentos que ainda está muito aquém da verdade”. Finalmente, o tema é pontuado de modo claro e definitivo na pergunta de número 668, com a resposta dos Espíritos de Luz e o comentário abalizado do Codificador: “Por se terem produzido em todos os tempos e serem conhecidos desde as primeiras idades do mundo, os fenômenos espíritas não terão contribuído para a difusão da crença na pluralidade dos deuses? “Sem dúvida. Como os homens chamavam deus tudo o que era sobre-humano, para eles os Espíritos pareciam deuses. É por isso que quando um homem se distinguia dos demais, por suas ações, pelo seu gênio ou por um poder oculto que o povo não compreendia, faziam dele um deus e lhe rendiam culto após a morte”. Allan Kardec comenta na mesma questão:  “Entre os antigos, a palavra deus tinha uma acepção muito ampla. Não significava, como hoje, uma personificação do Senhor da Natureza. Era uma qualificação genérica, que se dava a todo ser colocado acima das condições da Humanidade. Ora, tendo as manifestações espíritas lhes revelado a existência de seres incorpóreos que agiam como forças da Natureza, eles os chamaram deuses, como nós os chamamos Espíritos. Simples questão de palavras, com a diferença de que, em sua ignorância, mantida intencionalmente por aqueles que nisso interesse, eles construíram templos e altares muito lucrativos, ao passo que hoje os consideramos como simples criaturas como nós, mais ou menos perfeitas e despojadas de seus envoltórios terrenos. Se estudarmos atentamente os diversos atributos das divindades pagãs, reconheceremos sem dificuldade todos os atributos dos nossos Espíritos, em todos os graus da escala espírita, seus estado físico nos mundos superiores, todas as propriedades do perispírito e o papel que desempenham nas coisas da Terra. “Vindo iluminar o mundo com a sua luz divina, o Cristianismo não podia destruir uma coisa que está na Natureza, mas fez que a adoração se voltasse para aquele a quem é devida. Quanto aos Espíritos, a lembrança deles se perpetuou sob diversos nomes, conforme os povos, e suas manifestações, que jamais deixaram de produzir-se, foram interpretadas de maneiras diferentes e muitas vezes exploradas sob o domínio do mistério. Enquanto a religião via nessas manifestações fenômenos miraculosos, os incrédulos os consideravam embustes. Hoje, graças a estudos mais sérios, feitos em plena luz, o Espiritismo, liberto das idéias supersticiosas que o obscureceram durante séculos, nos revela um dos maiores e mais sublimes princípios da Natureza”. Eis aqui uma dimensão muito diferente e bem mais abrangente dos mitos e da mitologia para o Homem do Horizonte Cultural existencial-informacional-planetário! Uma dimensão expandida, onde os estudos mitológicos podem conviver de modo muito apropriado com as pesquisas das Ciências, com as sínteses racionais e elucubrações das modernas Filosofias e, não menos importante, com a tão necessária ressignificação das Religiões frente às necessidades deste tempo, em todo o planeta Terra. Tal visão, começada a ser apresentada à Humanidade em o Livro dos Espíritos, segue sendo mais explicada em notáveis obras da Doutrina Espírita, tais como O Problema do ser, do destino e da Dor, do maior filósofo do Espiritismo depois de Kardec, o inolvidável Léon Denis; também com as obras À Caminho da Luz e O consolador, de Emmanuel, e Evolução em Dois Mundos, de André Luiz, todos psicografados pelo insigne médium espírita Chico Xavier. Tudo isso para nos mostrar como os mitos são verdade sim, mas verdade em seu contexto imaginativo, criativo, contemplador, poético, sagrado, contado e cantado, como o eram pelos antigos aedos gregos, além dos aedos de muitos outros povos e civilizações. Muito teríamos a explorar sobre o maravilhoso mundo mitológico, inclusive nos estudos da psique humana começados pelo doutor Sigmund Freud, continuados e expandidos tremendamente pelo doutor Carl Gustav Jung e seus discípulos, além de tantos outros pensadores. Mas por enquanto paramos aqui, e nos despedimos de vocês querido leitor e querida leitora, com uma citação de um discípulo do doutor Jung, o já mencionado Joseph Campbell, na obra O Poder do Mito, uma série de entrevistas transcritas em livro pelo jornalista Bill Moyers: “CAMPBELL: Dizem que o que todos procuramos é um sentido para a vida. Não penso que seja assim. Penso que o que estamos procurando é uma experiência de estar vivos, de modo que nossas experiências de vida, no plano puramente físico, tenham ressonância no interior de nosso ser e de nossa realidade mais íntimos, de modo que realmente sintamos o enlevo de estar vivos. É disso que se trata, afinal, e é o que essas pistas nos ajudam a procurar, dentro de nós mesmos. MOYERS: Mitos são pistas?CAMPBELL: Mitos são pistas para as potencialidades espirituais da vida humana.MOYERS: Aquilo que somos capazes de conhecer e experimentar interiormente?CAMPBELL: Sim”.   * publicado originalmente em 07/03/2013 em http://httpblogcristianismoespiritismo.blogspot.com.br/

O Estado Laico e a PEC da Teocracia *

Por Jefferson     Laicidade ou Laicismo, no âmbito do Direito, é a separação entre o Estado e a religião. É uma conquista da República, pois nos estados absolutistas o rei era, antes de tudo, uma expressão visível da vontade de Deus, e o Estado era um presente divino ao soberano, podendo conduzi-lo da maneira que melhor lhe aprouvesse. Com o advento da República e a consequente escolha do líder político por processo democrático e eletivo, a esfera pública e a esfera privada ficaram separadas em definitivo. Uma das consequências dessa separação foi o afastamento do Estado do campo religioso, o chamado Estado laico, isso porque a religião é uma escolha eminentemente privada, que diz respeito a cada indivíduo, não podendo ser imposta por quem quer que seja. Quando o Estado, representado por seus governantes e parlamentares, resolve ultrapassar essa barreira, ele invade a esfera de cada um de seus cidadãos. Não porque defenda a crença em Deus, seja que deus for, mas porque quer  impor um código moral religioso a pessoas que possuem profissões de fé diferentes ou que nem fé possuem. Via de regra, desrespeitada a característica laica do Estado, a máquina pública deixa de ser de todos e passa a ser instrumento para impor o código moral/religioso de um grupo. Uma determinada agremiação de fé entende que possui uma procuração de Deus para agir em nome Dele e quer se aproveitar da força das instituições da República para impor o seu ponto de vista a todos os demais cidadãos. Chamamos isso de desrespeito. Muitas vezes o argumento do grupo infiltrado em um poder ou em uma instituição republicana, como o Congresso Nacional, por exemplo, é de que possui a legitimidade de uma maioria, por isso há uma vitória democrática. Isso é uma falácia. O Estado Democrático de Direito não se confunde com a ditadura da maioria. Princípios que regem todos os códigos de um país não podem ser subvertidos por uma maioria que quer se impor sobre o direito de outros grupos. Recentemente, o Deputado João Campos (PSDB-GO), presidente da Frente Parlamentar Evangélica, propôs uma PEC – Proposta de Emenda Constitucional – para incluir as associações religiosas de âmbito nacional no rol de legitimados para a propositura de ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) e ações declaratórias de constitucionalidade (ADCs). Segundo o parlamentar proponente, a referida PEC tem por objetivo preservar a liberdade religiosa e a liberdade de culto, que podem ser ameaçadas por normas expedidas pelos agentes estatais. Sob essa hipotética ameaça, uma associação religiosa de âmbito nacional poderia demandar via ADI ou ADC, conforme o caso, diretamente no Supremo Tribunal Federal (STF) na defesa dos seus direitos.   Não resta dúvida de que a pretendida PEC fere o princípio do Estado laico, pois legitima entidades religiosas a serem sujeitos ativos na mais alta corte jurídica do país para, via Judiciário, atacarem as tarefas normativas das instituições laicas democraticamente consagradas, com o intuito de defenderem o seu interesse particular. Enquanto detentoras de personalidade jurídica, nenhuma igreja, centro ou terreiro, por menor que seja, está desamparado da proteção do Estado, podendo atacar o ato concreto na comarca judiciária de sua cidade. É o chamado controle difuso de constitucionalidade. De outra forma, partidos políticos, Ordem dos Advogados do Brasil e Ministério Público Federal já se encontram no rol dos legitimados para a propositura dessas ações, não precisando nem mesmo ser provocados, solicitados por nenhuma entidade – de crentes ou ateus – para isso. Portanto, além de macular o Estado laico, a PEC é desnecessária. Existem muitos assuntos que estão tramitando no Congresso Nacional e que encontram forte oposição da Frente Parlamentar Evangélica. Legalização do aborto, casamento gay, eutanásia, liberação das drogas, criminalização da homofobia e ensino religioso nas escolas públicas são alguns temas em discussão nas sessões dos nossos parlamentares nacionais. Essas discussões interessam a toda sociedade brasileira e devem atender a população de um país como um todo. As idéias controvertidas do pastor/deputado Marcos Feliciano, atual presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, somente acirraram mais o radicalismo entre os defensores da “moral cristã” – conceito indefinido, pois muda conforme a vertente – e os ativistas de vários grupos de movimentos civis. A referida PEC, ao contrário do que o Deputado João Campos propagandeia, não pretende se restringir aos problemas de liberdade religiosa e de culto. Acreditar nisso, conhecendo a atuação da chamada “Bancada Evangélica” no Congresso Nacional seria ingenuidade. É um atalho para discutir no STF assuntos civis que o Congresso brasileiro já bateu o martelo. É permitir um novo fórum de debate em assuntos já ultrapassados na esfera legislativa. Cada um desses deputados e senadores, eleitos por seus redutos religiosos/eleitorais, pertencem a uma sigla partidária, sigla essa que possui legitimidade jurídica para discutir na Suprema Corte as sua divergências com as normas postas. Não há a mínima necessidade de que as duas maiores religiões do país – Católica e Protestante – se façam representar via aparato estatal no cume do Judiciário pátrio. Dizemos essas duas pois são as melhores representadas e estruturadas para isso. As chamadas seitas e religiões de menor expressão permanecem na marginalidade da nova PEC. Fonte: http://3.bp.blogspot.com/-_DbF5n96Qtw/Tr8AG1buGRI/AAAAAAAAAA4/XWUqwUOF5-I/s1600/178999_184826584872989_184824094873238_524409_3591550_n.jpg Existe um princípio elementar em qualquer democracia republicana: nas discussões políticas, a Constituição Federal tem que estar acima de tudo, inclusive da Bíblia, do Corão, do Evangelho Segundo o Espiritismo ou de qualquer outro livro considerado sagrado. A Carta Magna do nosso país deve ser o texto máximo porque ela tem que atender a todos, inclusive católicos, muçulmanos, espíritas, outras denominações religiosas e, inclusive, quem não tem religião e não acredita em nenhum deus. Quando respeitamos isso, estamos também defendendo a liberdade de cada um cultuar Deus do jeito que se sentir melhor. Aborto e liberação das drogas e outros assuntos polêmicos não podem ser decididos no Parlamento com base nas convicções desse ou daquele grupo religioso, mas com argumentos que satisfaçam a todos, inclusive o brasileiro e a brasileira que não possui crença religiosa nenhuma. Isso é o Estado laico, com suas qualidades e defeitos, mas é o princípio que nos assegura a liberdade religiosa e a plenitude do exercício da cidadania. Particularmente, nós, espíritas, que prezamos e defendemos a liberdade de consciência como atributo inerente a cada ser humano, podemos e devemos defender o nosso ponto de vista, fora dos nossos centros religiosos, com todos os argumentos jurídicos, sociais e científicos que conheçamos. É assim que se discute em um regime democrático como cidadãos. Devemos ter argumentos sólidos que satisfaçam a todos, inclusive aqueles que não acreditam em Deus, na imortalidade da alma, na lei de causa e efeito, na reencarnação e na comunicação dos desencarnados. Assim faremos a nossa causa vitoriosa, e não com convicções pessoais, ainda que sinceras e verdadeiras para nós, mas que não fazem parte do sistema de crença dos demais concidadãos.   Para os que tiverem interesse, segue o link do programa “Expressão Nacional”, da TV Câmara, contendo o vídeo do debate entre o Deputado João Campos, autor da PEC, o Deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), o cientista político Murilo Aragão e este que aqui escreve, Jefferson Bellomo, participante do programa na condição de especialista em história das religiões. LINK: http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/tv/materias/EXPRESSAO-NACIONAL/439931-EXPRESSAO-NACIONAL-DISCUTE-PEC-QUE-PODE-MUDAR-CARACTERISTICA-BRASILEIRA-DE-ESTADO-LAICO.html Da minha parte, não tenho a mínima dúvida que a proposta feita pelo referido parlamentar atenta não só contra o Estado laico, mas, em visão mais ampla, também contra as bases do Estado Democrático de Direito.   * publicada originalmente em 21/04/2013 em http://httpblogcristianismoespiritismo.blogspot.com.br/

Jesus – uma biografia revolucionária (John Dominic Crossan) *

 

Titulo original: Jesus, uma Biografia Revolucionária

Crossan, John Dominic

Jesus: uma biografia revolucionária

Tradução de Julio Castanon Guimarães

Rio de Janeiro: Imago Ed., 1995

220 páginas

Jesus: síntese de uma biografia revolucionária

Por Natali

 John Dominic Crossan tem as credenciais para ser considerado um dos maiores especialistas, do mundo, em Jesus histórico e cristianismo primitivo. Até o ano de 1995, ministrou estudos bíblicos na DePaul University, em Chicago. Atualmente, é professor emérito no departamento de estudos religiosos na mesma instituição. Nos últimos quarenta anos, ele publicou vinte e sete títulos sobre Jesus histórico e cristianismo primitivo. Entre os mais conhecidos, estão os seguintes livros: “O Jesus histórico – a vida de um camponês judeu do mediterrâneo”, “O nascimento do cristianismo”, “Em busca de Paulo”, “A última semana – um relato detalhado dos dias finais de Jesus”, que foi escrita em co-autoria com Marcus J.Borg e, “Jesus – uma biografia revolucionária”. 

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O livro Jesus – uma biografia revolucionária, obra a qual passarei a me referir, é descrito pelo próprio autor como uma versão mais popular e compacta do best seller “O Jesus histórico – a vida de um camponês judeu do mediterrâneo” e, por essa razão, mais direto, impactante e provocador de intermináveis debates e discussões sobre o tema. No entanto, como ressalta o próprio Crossan, o seu espírito de honestidade não se modificou de uma obra para outra. 

Aproveito-me do tema honestidade, mencionado por Crossan, para destacar que o que descreverei a seguir é uma síntese, a mais isenta possível, sobre o seu livro “Jesus – uma biografia revolucionária”. Como estudiosa do tema cristianismo e espiritismo, tenho algumas concordâncias e algumas discordâncias com o escritor. Porém, aqui, não as revelo, nem faço qualquer análise de sua respeitável obra. O meu intuito é apenas apresentar, nesse espaço, algumas de suas idéias.

O estudo acadêmico do Jesus histórico pode ser definido, de uma forma bem despretensiosa, como o que você teria visto e ouvido, se tivesse sido um observador mais ou menos neutro, durante as primeiras décadas do primeiro século. O Jesus histórico é distinto do Cristo confessional, porém não invalida a fé de qualquer religião.

No prólogo, Crossan inicia com um relato das dificuldades do estudo do Jesus histórico, uma vez que os evangelhos são interpretações, e não biografias de Jesus, como muitos 2o supõem. Os evangelhos canônicos são coletâneas planejadas com fins doutrinários. Assim sendo, é difícil extrair deles um perfil de Jesus. O planejamento não isento dos evangelhos canônicos fica claro através do estudo dos evangelhos apócrifos, principalmente do Evangelho de Tomé e do Evangelho de Q, fonte utilizada pelos evangelhos de Lucas e Mateus. O autor ressente-se também da falta dos documentos originais. 

Diante de tais dificuldades, o autor se utiliza de um método de estudo que situa o Jesus histórico no cruzamento de três vetores. O primeiro deles é a antropologia intercultural que se baseia em dados antropológicos da antiga cultura do mediterrâneo. O segundo é a história greco-romana, usando, principalmente, o historiador judeu Flávio Josefo como referência bibliográfica. O terceiro vetor é o literário ou textual, o qual considera que os Evangelhos canônicos não são nem uma coletânea total de todos os textos disponíveis, nem uma amostragem ao acaso selecionada deles. Alguns evangelhos foram deliberadamente aceitos e incluídos, enquanto outros foram rejeitados e excluídos. Outros aspectos que se deve salientar foram a retenção de materiais originais de Jesus, os desenvolvimentos desses materiais originais e a criação de materiais completamente novos. Crossan leva em consideração, também, as discrepâncias e as diferenças entre os diversos relatos. Desta forma, se concentra no mais antigo estrato da tradição, em materiais datados do período entre 30 e 60 E.C. Também nunca se baseia em nada que tenha apenas uma única atestação independente.

Dos quatro evangelhos pertencentes ao Novo Testamento, apenas Mateus e Lucas descrevem um relato do nascimento de Jesus ou de seus primeiros anos de vida. Segundo Crossan, não é a ausência do relato nos outros evangelhos que merece explicação, e sim a sua presença em Mateus e Lucas. Um ponto em comum em ambos os evangelhos citados é que Jesus nasceu no governo de Herodes, entre 37 e 4 A.E.C (antes da era cristã). Ou seja, Jesus nasceu pelo menos quatro anos antes do marco inicial da era cristã, referido popularmente pelos cristãos do mundo ocidental como A. C. (antes de Cristo). Como a morte de Herodes foi marcada por uma grande rebelião social e política que culminou com uma repressão violenta e a crucificação de dois mil rebeldes, o fim da era do rei Herodes ficaria gravado facilmente na memória popular. Assim, é possível que as primeiras tradições cristãs pudessem se recordar se Jesus nasceu antes ou após esse fato histórico. Quanto ao período de sua morte, Jesus morreu entre 26 a 36 E.C., período esse que coincide com Pôncio Pilatos como prefeito da província romana da Judéia.

Os relatos de Lucas e Mateus são diferentes com relação às condições do nascimento de Jesus. Lucas inclui os pastores e os anjos, o estábulo e a manjedoura, enquanto Mateus inclui os Reis Magos, o massacre dos inocentes por Herodes e a fuga para o Egito. 

Lucas relata, paralelamente, as histórias dos nascimentos de Jesus e João Batista. Esse evangelista integra e correlaciona o nascimento de Batista às Escrituras Hebraicas em que o filho predestinado nasce de um casal infértil e/ou idoso e que sua própria concepção anuncia essa predestinação para a grandeza. O paralelismo continua com a exaltação do nascimento de Jesus sobre o de João Batista, um nascido de uma virgem e o outro de pais velhos e estéreis. A exaltação de Jesus tem continuidade na descrição do crescimento dos meninos: enquanto Jesus é encontrado no templo, sentado no meio de doutores, João habitava o deserto para fortalecer o espírito. O questionamento que cabe aqui não é o fato de Jesus ser claramente maior aos olhos de Lucas, mas, sim o fato de Lucas precisar exaltar Jesus em relação a João Batista.

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 Mateus também relaciona o nascimento de Jesus às Escrituras Hebraicas, estabelecendo uma correlação com a infância de Moisés. Na história de Moisés, o faraó ordena que todos os meninos ao nascer sejam jogados no rio Nilo. Moisés só se salva porque a sua mãe o esconde em uma cesta e o lança às margens do rio, de onde é resgatado pela filha do faraó. Quando adulto Moisés liberta o seu povo da escravidão do Egito e o conduz à Terra Prometida. Em comparação com a história de Jesus, o rei Herodes também ordena matar um menino predestinado a salvar o seu povo. Porém, Jesus foge com seus pais para o Egito, a terra da qual Moisés escapou.

Mateus e Lucas, além da data aproximada do nascimento de Jesus, concordam em três aspectos: a concepção virginal, a ascendência davídica e o nascimento em Belém. Crossan busca em Isaías 7,14-25 a profecia da concepção virginal: “Eis que a jovem esta grávida e dará a luz a um filho e dar-lhe-á o nome de Emanuel”. Segundo Crossan, Mateus que conhecia a profecia tomou seu termo virgem para aplicá-lo não somente ao estado anterior da mãemas ao seu estado permanente mesmo após a concepção.

Quanto ao local de nascimento, tanto Mateus quanto Lucas concordam que foi em Belém. O povo judeu, massacrado por anos de exploração estrangeira, aguardava o messias que libertaria seu povo da subjugação. Mas esse rei judeu deveria, pelas profecias, pertencer à linhagem do rei Davi e nascer em Belém. E no livro de Miquéias do final do século oitavo A.E.C. que Crossan identifica o local de nascimento daquele que deveria ser o messias: “Mas de ti, o Belém de Efrateu, que é um dos pequenos clãs de Judá, de ti virá para mim àquele que governará em Israel, cuja origem e de outrora, de tempos antigos”.

 Segundo Mateus, José e Maria sempre residiram em Belém e só se mudaram para Nazaré após o retorno da fuga para o Egito. Já Lucas usa a desculpa do recenseamento para deslocar o nascimento para Belém. A historia contada por Lucas possui várias fragilidades, pois alguns acontecimentos relatados por ele não são comprovados historicamente. Por exemplo, não há uma documentação histórica de que tal censo ocorreu durante o período de Otávio Augusto. Existe, apenas, o relato de um censo que abrangeu a Judéia, Samaria e Iduméia, porém esse fato se deu dez anos após a morte de Herodes, o que não corresponde ao período relatado por Lucas. Também, as pessoas são registradas em censos nos seus locais de trabalho ou moradia, sem necessidade do transtorno do deslocamento. Para Crossan, as histórias contadas pelos dois evangelistas sobre o nascimento são cativantes, mas não passam de pura ficção. O local mais provável do nascimento de Jesus é Nazaré. O nascimento em Belém descrito por ambos nada mais é que uma tentativa de oficializar o cumprimento da profecia.

Pelo relato de Marcos 6,3, acredita-se que Jesus teve ao menos quatro irmãos, cujos nomes eram Tiago, José, Judas e Simão e também duas irmãs. No mesmo relato é referido que Jesus era carpinteiro de profissão, não um carpinteiro como nos tempos modernos que é bem remunerado, um fabricante de móveis. Na sua época, a profissão de carpinteiro era considerada como de classe inferior, um tekton que significava um “faz-tudo”. Além disso, como 95 a 97 % do estado judaico eram de analfabetos, supõe-se que Jesus também era analfabeto, mas era conhecedor de uma cultura oral – que incluía historias básicas de suas tradições-, assim como a maioria de seus contemporâneos. Cenas como Jesus surpreendendo os mestres no Templo de Jerusalém são consideradas por Crossan como pura propaganda doutrinária de Lucas.

Segundo Crossan, dizer que Jesus foi batizado por João Batista é tão certo historicamente quanto pode ser qualquer coisa sobre os dois. A tradição cristã fica claramente embaraçada com o batismo de Jesus por João Bastista, porque o fato parece tornar João Batista superior a Jesus. Para minimizar essa situação, há trechos bíblicos com frases proferidas pelos envolvidos nesse episódio, como as que se pode verificar em Marcos 1, 9-11 em que logo após o batismo, uma voz dos céus anuncia: “Tu és o meu Filho, amado, em ti me comprazo“. O relato de Lucas 3, 2-1 é um pouco mais exagerado e põe palavras na boca de Batista: “Eu é que tenho necessidade de ser batizado por ti e tu vens a mim?”.

 João Batista era um profeta apocalíptico e acreditava que Deus faria o que a força humana não podia fazer: destruir o poder romano. Em relação a Jesus, a principal pergunta não é se ele começou como um profeta apocalíptico também, mas se continuou como tal, e se, quando iniciou a sua própria missão, o fêz recolhendo a bandeira caída após a morte de Batista. Mas, ao que parece, pode ter sido a execução de João Batista que levou Jesus a compreender um Deus que não atuou e não atuaria por meio da restauração apocalíptica iminente. Jesus compreende que o Reino de Deus não é um reino futuro, é um reino aqui e agora! 

O Reino de Deus é uma proposta definitivamente muito ousada de Jesus. Uso, para elucidar essa ideia, as próprias palavras de Crossan: ”Não convidava a uma revolução política, mas encarava uma revolução social nas profundezas mais perigosas da imaginação”. Jesus foi o anunciador de uma intermediação que não deveria existir entre a humanidade e a divindade. Esse foi um dos motivos da ira dos sacerdotes do Templo contra ele. Sua proposta não era dependente de uma intervenção divina para restituir a justiça e a paz a uma terra violentada pela injustiça e pela opressão. A consumação desse reino seria tangível e visível para todos, crentes e incrédulos, mas com destinos distintos para cada grupo. O Reino de Deus representava um estilo de vida para o presente, mais do que uma esperança para o futuro. Era um reino para todos, sem distinções ou hierarquias: homens e mulheres, judeus e não judeus, escravos e livres, ricos e pobres, crianças e adultos. Em vários momentos da pregação de Jesus, o grupismo familiar foi negado em favor de outro aberto a todos que desejassem aderir a ele, tal qual uma grande fraternidade universal, alicerçada num igualitarismo radical. A comensalidade aberta, onde todos – judeus, publicanos, doentes e prostitutas – compartilhavam de uma refeição comum, era o símbolo e a corporificação do igualitarismo radical. Jesus levava a cura gratuita em troca da partilha gratuita. Apesar de não fazer distinções, Ele pregava principalmente para os destituídos que, por definição eram mais que pobres, vitimas de um sistema social desigual que vivia na penúria. Em suma, o Reino de Deus é o que o mundo poderia ser se Deus estivesse direta e imediatamente a sua frente. 

 

 Segundo Marcos 6, 8-9, Jesus recomendava, aos seus seguidores, que nada levassem para o caminho da pregação, nem pão, nem alforje, nem dinheiro no cinto, apenas um cajado e que calçassem sandálias, porém não levassem duas túnicas. Uma vez que havia uma reciprocidade cura-comida, não era necessário que se carregasse alforje ou dinheiro. Ao longo dos séculos I e IV, o galileu pobre que pregava uma mensagem radicalmente inédita e humanitária tornou-se o Filho de Deus, e a fé Nele tornou-se mais importante que a fé Dele.

Além da mensagem maravilhosa ou assustadora sobre o Reino de Deus, Jesus partia para a ação através das curas de doenças e exorcizações de demônios. Em relação à tão mencionada lepra na Bíblia, o autor enfatiza que a mesma era conhecida na época como elephas ou elefantíase, e que lepra servia para denominar qualquer doença descamativa da pele. Algumas delas passíveis de cura fácil ou espontânea. Em uma sociedade na qual predominavam valores como a honra e a vergonha, a pessoa leprosa não representava uma ameaça de contaminação médica, mas sim uma contaminação simbólica social, em que o acometido por uma maldição poderia tornar impuros os que dele se aproximassem. Crossan ressalta a diferença de conceitos entre doença e enfermidade. A primeira representa uma mudança na estrutura e função dos órgãos e sistemas, enquanto a segunda representa uma mudança negativa em estados de ser e de função social, sendo um acontecimento psicológico e social. O enfermo sofria de estigma social devido a sua impureza e, por isso, era isolado e rejeitado por seus pares. Segundo Crossan, os milagres de cura de Jesus nada mais eram do que a cura da enfermidade, que se caracterizava pela reintegração e acolhimento do enfermo pela comunidade.

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Sobre possessão, o autor afirma não crer que haja espíritos sobrenaturais que possam invadir os corpos das pessoas. Dessa forma, Crossan busca outras explicações para o fenômeno e acredita que esse seja uma forma especial de perturbação múltipla da personalidade. Em continuação à sua linha de raciocínio, Crossan se respalda na tese de “Estados alterados de consciência”, explicando que parece existir um espectro normal para atividade física ou mental e para a química cerebral que media entre eles. Qualquer coisa acima ou abaixo desse espectro pode criar o transe ou outras denominações sinônimas como êxtase, dissociação ou estados alterados de consciência. O transe pode ser produzido por qualquer alteração crítica, para mais ou para menos, na estimulação externa dos sentidos, concentração interna da mente ou composição química da neurobiologia do cérebro. Deve ser aceito como um universal humano e com modelagem psicossocial. Assim, um católico em transe não terá a visão de Krishna ou de Maomé, mas sim da Virgem Maria, por exemplo. O transe é absolutamente intercultural e transtemporal, porém o conteúdo é condicionado psicoculturalmente. O autor procura uma explicação para o motivo de ter havido tantos transes no século I na opressão que o império romano exercia sobre os povos subjugados. Ele acredita existir uma relação entre a possessão e a opressão. A possessão é tida por Crossan como uma revolução simbólica individualizada contra as pressões sociais, familiares e o imperialismo romano. Os milagres de cura de Jesus o põem em rota de colisão direta com as autoridades sacerdotais do Templo, uma vez que Jesus exercia funções que eram atribuições dos sacerdotes que cobravam por esse trabalho.

Segundo o autor, o igualitarismo espiritual e econômico que Jesus pregava explodiu em indignação no Templo que era símbolo de tudo que não era igualitário e mesmo opressivo nos níveis religiosos e políticos. Os sacerdotes do Templo eram coniventes com o poder opressivo romano. Marcos 11, 15-18 se refere à expulsão dos vendedores do Templo e relata essa frase: ”Os chefes dos sacerdotes e os escribas ouviram isso e procuravam como fazê-lo perecer, pois toda a multidão estava maravilhada com o seu ensinamento”. Parece ficar claro para o autor do Evangelho segundo Marcos que o incidente no Templo foi o fato desencadeador da morte de Jesus. Crossan acredita que após o fato ocorrido no Templo, os soldados se deslocaram imediatamente para prendê-lo.

A crucificação era usada, pelos romanos para os escravos, para criminosos violentos e rebeldes. Pela descrição de Crossan, Jesus se enquadrava na última categoria. O fato de a crucificação ocorrer publicamente servia de intimidação contra novos rebeldes. O criminoso era crucificado nu, açoitado antes da crucificação e exposto, enquanto crucificado, em local de grande circulação a fim de ser objeto de humilhação. A vítima não era enterrada, mas abandonada, a própria sorte, na cruz que era baixa o suficiente para que o crucificado servisse de alimento para os animais selvagens. Os cães se alimentavam das partes inferiores do corpo e os abutres, das partes superiores. A falta de sepultamento digno era considerada uma desonra para os costumes da vítima e de sua família. Mesmo quando havia sepultamento – o que era um acontecimento excepcional -, o morto era deixado, pelos próprios soldados romanos, em cova rasa e seu corpo tinha o mesmo destino dos que permaneciam na cruz. A descrição de como as vitimas da crucificação eram tratadas tem respaldo histórico, pois foi encontrado um único esqueleto crucificado em Giv’at ha-Mivtar, nordeste de Jerusalém, em 1968. O esqueleto era do jovem Yehochanan, que tinha entre 24-28 anos. Crossan considera o caso de Yehochanan uma exceção à regra, pois, se a família tivesse uma grande influência política, a pessoa em questão não seria crucificada e, ainda se a pessoa chegasse a ser crucificada, sua família não teria influência suficiente para obter um sepultamento digno. Crossan considera José de Arimatéia uma criação de Marcos, consequentemente Jesus não foi retirado da cruz e enterrado, como consta em alguns evangelhos. Jesus era de origem humilde e a sua família não poderia exercer qualquer tipo de influência, junto aos governantes, para que fosse retirado da cruz e, posteriormente, devidamente sepultado conforme os costumes de seu povo.

Após o incidente no Templo, a morte de Jesus era previsível. O que não era previsível era que o fim não fosse o fim!

A fé cristã é fortalecida e não enfraquecida pela morte de Jesus. E é isso que os Evangelhos nos relatam: transformar o fato da morte de Jesus um evento de fortalecimento. Logo após a morte de Jesus, a expectativa dos seguidores era a parusia. A ressurreição se inicia com Paulo que era fariseu e acreditava na ressurreição das pessoas no final dos tempos. As aparições de Jesus para seus seguidores são consideradas por Crossan como transes, ou seja, estados alterados de consciência como foi explicado anteriormente. O que interessa nas aparições não são as mensagens, mas que elas outorgam o poder a quem as vê, como a exaltação da liderança de Pedro em detrimento da de João e Tomé em João 21, 1-8, capitulo que é considerado um enxerto posterior por exegetas. Em João 20, 1-18, a liderança de João é exaltada em detrimento da de Maria Madalena, Pedro e Tomé. O autor destaca que a liderança de Maria Madalena também necessitava de oposição. O que se pode observar aqui é uma disputa de autoridades nas diferentes comunidades na origem do cristianismo primitivo.

A comensalidade aberta de Jesus foi ritualizada em separado após a sua morte, seja como eucaristia da refeição de pão e peixe, seja de pão e vinho. Lideranças específicas ou de grupos líderes sobre comunidades em geral foram enfatizadas utilizando-se refeições eucarísticas. Em Lucas 24, 13-46, há o relato de que dois seguidores de Jesus deixaram Jerusalém em direção a Emaús, tristes, após a morte de Jesus. No caminho, Jesus juntou-se a eles, mas não foi reconhecido de início. Foram seguindo pelo caminho enquanto conversavam e Jesus explicou-lhes como as Escrituras Hebraicas deviam tê-los preparado para o destino dele. Os seguidores convidaram-no para uma refeição. Jesus tomou o pão, o abençoou, depois o partiu e o distribuiu a seus companheiros de viagem. Então, seus olhos se abriram e eles o reconheceram. Voltaram alegres para Jerusalém. Para Crossan, o simbolismo desse fato é claro: Emaús nunca aconteceu, mas Emaús acontece sempre!

Enfatizo mais uma vez que o Jesus histórico é diverso do confessional. Para nós, espíritas, Jesus é um espírito puro, considerado o mais evoluído de todos no planeta e o maior exemplo a ser seguido. Para os católicos romanos, Ele é o Verbo de João, o próprio Deus. Já para os judeus e os mulçumanos é mais um profeta. No entanto, por mais que se estude sobre Ele ainda permanece uma pergunta: quem foi realmente este homem que após 2000 anos, ainda é capaz de emocionar e manter entre nós viva a sua mensagem maravilhosamente humanitária e atemporal?

Finalizo esse texto dando a palavra ao próprio Crossan: “Não é suficiente, portanto, continuar dizendo que Jesus não nasceu de uma virgem, não nasceu da linhagem de Davi, não nasceu em Belém, que não houve estábulo, pastores, estrela, magos, massacre de crianças e nem fuga para o Egito. Tudo isto é verdade, mas ainda fica a pergunta sobre quem era e o que fez para levar seus seguidores a fazer tais afirmações. Esta é uma questão histórica…”

 

* postado originalmente em 21/10/2013 em http://httpblogcristianismoespiritismo.blogspot.com.br/

O que Jesus Disse? O eu Jesus não disse? Quem mudou a Bíblia e porque *

Por  Bruno Fabiano de Sá Oliveira

 

 

O que Jesus Disse? O eu Jesus não disse? Quem mudou a Bíblia e porque

Bart D. Ehrman – Título original: Misquotig Jesus: The Story Behind Who Changed de Bible and Why

Tradução: Marcos Marcionilo– Prestígio Editora, 2006

 

Bart Ehrman é PhD em Teologia pela Princeton University of North Caroline, especialista em Novo Testamento, igreja primitiva, ortodoxia e heresia, manuscritos antigos e na vida de Jesus. Quando jovem, motivado pela pratica do Cristianismo e estudo da Bíblia, ingressou no Moody Bible Institute de Chicago e, após três anos de estudo da Bíblia, decidiu se formar em Teologia, na faculdade evangélica Wheaton College, onde após aprofundar seus estudos em relação aos textos bíblicos, foi paulatinamente se dando conta da quantidade de alterações que havia em relação aos textos das bíblias disponíveis e o texto disponível em grego.

Aprofundou seu conhecimento em línguas, para poder compreender melhor manuscritos antigos, e quanto mais estudava estes, mas notava que, contrariamente ao que a tradição prega, as palavras constantes na Bíblia estavam longe de ser inspiradas por Deus. Tais estudos o conduziram a um caminho completamente diverso daquele que ele inicialmente tinha planejado, quando ingressou no Moody, para se tornar um divulgador da Bíblia como muitos de seus amigos fizeram. Sua dedicação aos estudos dos textos antigos e o vasto conhecimento adquirido durante anos de pesquisas lhe renderam a alcunha de “a maior autoridade em Bíblia do mundo”.

Nesta obra composta de sete capítulos, Ehrman mostra de maneira didática todos os porquês das milhares de mudanças que os pesquisadores dos textos bíblicos identificaram desde o início do século XVII, quando começaram a surgir pessoas dispostas a buscar uma aproximação aos textos originais que compõem a Nova Aliança.

No primeiro capítulo ele mostra que, assim como o Judaísmo, o Cristianismo também era uma religião do livro, apesar das características dos povos daquele tempo, principalmente dos Cristãos, que se tratavam em sua quase totalidade de pessoas analfabetas, mas cuja fé, com o passar dos anos, trouxe para a nova religião pessoas cultas que participaram da elaboração e disseminação dos ensinamentos de Jesus.

É ainda mostrada a produção dos mais diversos tipos de textos (Evangelhos, Cartas, Epístolas, Apocalipses, etc) que, para serem difundidos, dependiam do ofício de copistas.

Depois, no segundo capítulo, Ehrman ilustra como a falta de preparo dos primeiros copistas contribuiu desde os primórdios com a modificação dos textos originais, devido à disseminação destes pelo mundo Cristão, seja por incapacidade, cansaço, necessidade de combate daqueles que se julgavam ortodoxos contra conceitos considerados heréticos, etc.

É exemplificada também a inserção, por parte de copistas, de trechos inteiros que não constavam dos textos originais como, por exemplo, a passagem da mulher flagrada em adultério, onde é mostrado que tal passagem tem estilo de escrita completamente distinto do restante do evangelho onde se encontra e que a mesma não consta de diversos manuscritos antigos. Outros exemplos também são abordados neste capítulo.

No terceiro capítulo é mostrado como se chegou aos textos que dispomos atualmente pela atividade dos copistas profissionais, à partir do século IV, da elaboração do cânon sagrado, da criação da Vulgata Latina (até então os textos existentes utilizavam principalmente o grego mas, após a oficialização do Cristianismo como religião do Império Romano, exigiu-se a tradução dos textos para o latim).

Ele mostra também como foi o resgate dos textos mais antigos em grego e, com o advento da imprensa, já no sec. XVI, o surgimento dos primeiros pesquisadores das escrituras, bem como o princípio da identificação das falhas nos textos.

O quarto capítulo enfatiza a busca dos estudiosos pelos textos mais antigos possíveis, como consequência da quantidade de erros que começaram a ser mapeados pelos mesmos. São mostrados os trabalhos de alguns pesquisadores antigos e suas conclusões a respeito das milhares de alterações identificadas por estes.

No quinto capítulo, Ehrman apresenta uma técnica desenvolvida desde o princípio do sec. XVI, aprimorada pelos estudiosos das escrituras, que visa a avaliar se uma determinada passagem trata-se de um original ou trata-se de consequência de erros ou inserções – a Critica Textual. Tal técnica auxilia sobremaneira na clarificação a respeito de passagens polêmicas que constam (ou constaram) nas escrituras. Jesus sentia ira? Sentiu medo com a perspectiva do que enfrentaria no calvário? Sentiu-se abandonado por Deus na Cruz? Estas questões são avaliadas pela ótica da Crítica Textual, para se concluir a respeito do que provavelmente constava nos textos originalmente escritos, que evidentemente não são os textos que constam nas nossas Bíblias atuais.

Nos dois últimos capítulos, são mostrados exemplos de mudanças intencionais promovidas pelos copistas nos textos da Nova Aliança, seja porque estavam motivados por fatores teológicos, diante da necessidade de combate às heresias dos diversos Cristianismos existentes nos primeiros séculos, até a definição do cânon sagrado no sec. IV, seja porque motivados por elementos sociais, como a exclusão de referências à importância da mulher no culto das igrejas e conflitos com judeus e com pagãos.

Ehrman conclui o livro fazendo uma análise do que motivou tantas mudanças nos textos produzidos, mostrando que em grande parte tais mudanças se devem pela capacidade interpretativa do ser humano e que, em grande parte, tais mudanças para aqueles que as promoveram visavam realmente melhorar o texto. Não havia, portanto, a preocupação com a manutenção do texto original e muito menos com as consequências que tais mudanças provocariam para as gerações futuras, ou seja, a preocupação que motivou as mudanças sempre foi de momento, para garantir a manutenção da ortodoxia teológica em relação aos textos.

Enfatiza-se que, por se tratar de uma obra dos homens, até mesmo os autores foram responsáveis por modificações nos ensinamentos de Jesus, exatamente por serem humanos com necessidades e sentimentos.

Conclui-se de tudo o que é exposto no livro que não há como acreditar que as palavras contidas na Bíblia sejam inspiradas por Deus. Não se chega nem perto disso. O que temos hoje na Bíblia é um livro escrito por homens, alterado por homens, que é interpretado por homens e que, nestas interpretações, tiram conclusões das mais variadas formas. Porém, historicamente, os fatos não permitem que se creia na infalibilidade do que está escrito na Bíblia e tais fatos são chancelados em diversos momentos da história, por diversos ícones da Cristandade.

* publicado originalmente em 05/12/2013 em http://httpblogcristianismoespiritismo.blogspot.com.br/

DE JESUS A CRISTO, A JESUS DE NOVO (ou, POR QUE SER ESPÍRITA É TAMBÉM SEGUIR A JESUS)*

Por Douglas

“Então Jesus e os seus discípulos partiram para as aldeias de Cesareia de Filipe; e, no caminho, perguntou-lhes: quem dizem os homens que sou eu? E responderam: João Batista, outros: Elias; mas outros: algum dos profetas. Então, lhes perguntou: mas vós, quem dizeis que eu sou? Respondendo, Pedro lhe disse: tu és o Cristo. Advertiu-os Jesus de que a ninguém dissessem tal coisa a seu respeito.”

Marcos 8:27-30; Mateus 16:13-20; Lucas 9:18-21                          Almeida Revista e Atualizada.

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Findo um ano do Curso de “Cristianismo e Espiritismo” na Comunhão Espírita de Brasília, provavelmente a primeira coisa que um aluno ou aluna raciocinaria ao ler essas palavras seria: “será que Jesus disse isso mesmo”? Bem, a citação acima faz parte dos três Evangelhos Sinóticos e corresponde a uma tradição muito antiga… Ademais, sua leitura em um contexto que não o do Cristianismo pode ensejar considerações sóbrias: por que advertir a não espalhar isso? Qual a percepção de Jesus de Nazaré quanto ao que ele fazia e seu propósito de vida?

São indagações que historicamente podem gerar respostas das mais variadas, todas elas tão somente hipotéticas. Certeza, certeza mesmo, o pesquisador sério não atribuirá a nenhuma delas, ainda que se incline sinceramente para alguma. Mas estamos falando de um pesquisador acadêmico da área das assim chamadas ciências humanas, que possui limitações quanto aos seus instrumentos de pesquisa, limitações essas que foram surgindo com o justo interesse de se colocar balizas de segurança quanto à pesquisa séria que produz resultados seguros e passíveis de verificação e modificação, quando necessário.

Mas e o pesquisador espírita? Como deve proceder quando surgem estes desafios? Depois de um ano de curso, a esperança dos professores do CriEs – Cristianismo e Espiritismo – é de que a máxima do professor Allan Kardec em a Gênese capítulo 1 item 55 valha mais do que nunca: seguiremos junto com as ciências e os Espíritos, mas se esses disserem algo sobre um fenômeno estudado por estas ciências que elas entendam de  maneira diferente, ficaremos com as ciências, até prova em contrário por parte delas mesmas.

Alguém pode nos perguntar: isso vale para as ciências humanas, para a História, a Antropologia e a Arqueologia, por exemplo? Sim. O sim é simples e prescinde de acréscimos. Vamos agora tentar raciocinar em cima disso. Por que o professor Kardec insiste nesse ponto deste modo? Por que as ciências humanas, falhas, limitadas, em constante mutação diriam a palavra final, se há Espíritos a quem reputamos muito saber e que se encontram na dimensão privilegiada de observação, podendo mesmo nos adiantar o que será descoberto em segurança?

Primeira razão: porque aos Espíritos que já avançaram na caminhada da evolução das vidas, não é dado o direito de tirar o esforço continuado e o aprendizado pessoal e intransferível que cabe a todos nós e a eles, na mesma proporção. Cada um deve se auto-conhecer, se entender, se amar e se melhorar por si só. Podemos ser auxiliados – e efetivamente o somos mais do que imaginamos! –, podemos ser encorajados, motivados reanimados, mas nunca, jamais, poderão fazer por nós o que é nossa obrigação fazer por nós mesmos, assim como isso não foi feito por eles. Poderão eles mesmos reencarnarem e laborarem lado a lado conosco, nos ensinando e, continuando seu perpétuo aprendizado, nos ajudando a nos adiantar, mas não podem nos facilitar o caminho evolutivo que não seja pelo exemplo vivo, andando como gênios da humanidade ao nosso lado, e também pelo consolo sempre certo de onde estão, na pátria espiritual.

Segundo: porque as ciências não são revelações prontas, acabadas, na mesma proporção que o ser humano não é algo pronto, acabado. Crescendo e melhorando o ser humano em saber e nos afetos, mais ele poderá e, portanto, maior e melhor nossas ciências serão. Parafraseando com muito carinho uma frase religiosa cristã pela qual temos entranhado respeito: ‘eis o mistério da fé raciocinada e progressiva – toda vez que melhorarmos através da razão e dos afetos, mais e mais saberemos e poderemos no caminho das ciências, máxime a ciência espírita’. Até porque, “a ciência lhe foi dada para seu adiantamento em todas as coisas…” – Livro dos Espíritos, resposta parcial à pergunta 19.

Terceiro porque entendemos mais do que nunca com o professor Allan Kardec que uma vez livre da vestimenta física, os Espíritos não entram na posse do conhecimento de todos os mistérios. E em sendo assim, quando interagimos com Eles, devemos SEMPRE lembrar que estamos lidando com seres humanos como nós que tem limitações a serem vencidas, assim como nós mesmos. E que eles tem a permissão de seus Maiores para interagir conosco para que JUNTOS aprendamos, pesquisemos, estudemos, como eles o fazem com aqueles que se encontram muito à frente deles.

E, uma vez que o modo de intercâmbio de informações se dá por uma faculdade comum a eles e a nós, desencarnados e encarnados – a medianimidade –, faculdade essa que se encontra em processo de aperfeiçoamento como todos nós estamos, é natural que mais do que nunca saibamos distinguir quem é quem nesse diálogo do lado de lá, com o máximo de cuidado. O professor Allan Kardec declara que esse conhecimento “… É, de certo modo, a chave da ciência espírita, pois só ele pode explicar as anomalias que as comunicações apresentam, esclarecendo-nos sobre as desigualdades intelectuais e morais dos Espíritos” – O livro dos Espíritos, comentário parcial de Kardec à pergunta 100.

Essa prudência toda descrita nos três itens acima não foi tão bem vista assim por todos os contemporâneos espiritistas do professor que codifica a Doutrina em seu tempo. Alguns o viram como um tanto quanto centralizador, outros lamentavelmente como alguém que se recusava a aceitar as revelações impactantes que surgiam, com uma evasão impensável em um homem de saber como ele.

Entendemos que isso é um equívoco e que, ao contrário, todas as vezes que os espíritas seguiam as diretrizes exaradas pelo querido mestre lyonês, todas elas aprovadas pelos Espíritos que se notabilizaram em anos de contato com o grupo ao qual ele fazia parte e que foram testadas inúmeras vezes nestes mais de 150 anos de Doutrina Espírita Codificada, os resultados práticos foram e continuam sendo agradavelmente surpreendentes.

Um dos tópicos mais polêmicos e que ensejou duros desafios para o movimento espírita francês e brasileiro foi o referente a Jesus de Nazaré. Se hoje o rabi da Galiléia fizesse sua pergunta “quem dizem os homens que sou eu?” para os que se dizem espíritas, a resposta dentro do movimento seria claramente multifacetada:

– Deus, para os espíritas que não estudam nunca as obras sérias da Doutrina;

– Um agênere que nunca encarnou em corpos físicos, para os fiéis roustainistas;

– Um médium amorável e vegetariano do Cristo Cósmico Planetário, para os ramatisistas;

– Um espírito perfeito que encarna em um corpo híbrido de material genético alienígena e terrestre, responderiam os miramezistas;

– Um emissário de “o Sistema”, espírito que caiu no equivocado universo físico como todos nós, mas que, após a crucificação, purificou-se de vez e retornou do seu erro para lá e, de lá, tenta nos guiar para que consigamos o mesmo, como querem nos fazer crer os ubaldistas;

E por aí vai. Depois de um ano de estudos em conjunto, vamos rever por fim algumas definições pontuais pertinentes a este tópico que se encontram na codificação do hexateuco kardequiano, as seis obras principais apresentadas pelo estimado professor quando encarnado no século XIX. Antes disso, alguém poderia dizer: mas não estaríamos então incorrendo em um outro “ismo”, nesse caso, o “kardecismo”? Por que os “Kardecistas” tem que estar certos e não Roustaing, Ramatis, Miramez, Ubaldi etc?

Antes de tudo, lembremos que Allan Kardec não tem que estar certo. O princípio que se aplica aos Espíritos desencarnados comunicantes é o mesmo a ser aplicado frente a qualquer encarnado, incluindo o estimado professor. Por isso, a fé que o motivava e que nos motiva é a fé raciocinada e progressista. Ademais, a revelação espírita, a terceira revelação, é uma revelação DOS ESPÍRITOS e não de um homem ou de um Espírito só, encarnado ou desencarnado.

Todavia, o que todos os defensores das linhas de pensamento espiritualista acima mencionados têm em comum com o espírita que se pauta na codificação é a de que, afora as diferenças e discordâncias, muito mais se tem a concordar uns com os outros EM Kardec do que sem Kardec. Expliquemo-nos: ainda que com diferenças de pensamento, todos ainda optam por ter Kardec como a referência didática comum e segura para os primeiros passos no desenvolvimento da fé raciocinada. Por isso insistem em se denominar espíritas, termo cunhado pelo professor de Lyon.  

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O convite que fazemos então nesse momento é: voltemos às raízes do movimento e das manifestações dos Espíritos conforme os passos didáticos do codificador e, com base nisso, vamos comparar com o que a ciência tem trazido. E façamos isso agora no contexto da temática da pessoa de Jesus de Nazaré. O que em termos iniciais e pedagógicos os Espíritos nos revelaram sobre ele? Vejamos:

1)     O Livro dos Espíritos, pergunta 625: Jesus é apresentado como o mais perfeito guia e modelo da perfeição moral a ser aspirada na Terra. Igualmente, como o Espírito mais puro que por aqui apareceu encarnado.

2)    Em o Livro dos Médiuns, no capítulo XXXI, item IX, na observação de Kardec, poderá ser lido que o codificador se refere a Jesus de Nazaré como o “Espírito puro por excelência”.

3)    No Evangelho Segundo o Espiritismo, em sua famosa introdução, o professor se refere já no primeiro parágrafo aos cinco tópicos pertinentes ao tema “Jesus Cristo” pelos quais se podem tratar esse nome: a) os atos comuns de sua vida b) os milagres c) as predições d) as palavras que serviram para estabelecer os dogmas da Igreja e) o ensinamento moral. Em seguida, pontua que a parte moral –  também chamada de código divino – é a única inatacável, inclusive tendo-se em vista o posicionamento de ateus e materialistas que, discordando de um ou vários aspectos dela, não podem deixar de admirá-la.

4)    Ainda no Evangelho Segundo o Espiritismo, no capítulo 1 item 4, Allan Kardec se refere à natureza excepcional de seu Espírito (i.e. de Jesus) e de sua missão divina, especificando que além de um código moral Jesus ensinou aos seres humanos que a verdadeira vida está no reino dos céus e lhes aponta o caminho para chegar lá.

5)    Em O Céu e o Inferno, no capítulo 10 item 18, Jesus é chamado de “o messias divino enviado aos homens para ensinar-lhes a verdade e mostrar-lhes o caminho da salvação”. Lembrando a todos que a palavra messias vem do hebraico mashíach, ungido. E lembrando igualmente que no antigo Israel, quando alguém possuía um comissionamento sagrado, essa pessoa era ungida com um óleo perfumado especial, fosse para ser rei, fosse para ser sacerdote, fosse para ser um profeta.

6)    Em A Gênese, a exposição final de Kardec sobre temas espíritas trazida à luz antes de sua morte, Jesus de Nazaré é descrito do seguinte modo no capítulo xv item 2:

“Sem nada prejulgar sobre a natureza do Cristo, cujo exame não entra no quadro desta obra, e não o considerando, por hipótese, senão como um Espírito superior, não podemos deixar de reconhecê-lo como sendo um dos Espíritos de ordem mais elevada e, por suas virtudes, colocado muitíssimo acima da Humanidade terrestre. Pelos imensos resultados que produziu, a sua encarnação neste mundo forçosamente há de ter sido uma dessas missões que a Divindade somente confia a seus mensageiros diretos, para cumprimento de seus desígnios.  Mesmo sem supor que ele fosse o próprio Deus, mas um enviado de Deus para transmitir sua palavra aos homens, seria mais do que um profeta, porquanto seria um Messias divino.

“Como homem, tinha a organização dos seres carnais, mas como Espírito puro, desprendido da matéria, havia de viver mais da vida espiritual, do que da vida corpórea, de cujas fraquezas não era passível. A superioridade de Jesus com relação aos homens não resultava das qualidades particulares do seu corpo, mas das do seu Espírito, que dominava a matéria de modo absoluto, e da do seu perispírito, haurido da parte mais quintessenciada dos fluidos terrestres. (Cap. XIV, item 9.) Sua alma não devia achar-se presa ao corpo senão pelos laços estritamente indispensáveis. Constantemente desprendida, ela decerto lhe dava dupla vista, não só permanente, como de excepcional penetração e muito superior à que comumente possuem os homens comuns. O mesmo havia de dar-se nele com relação a todos os fenômenos que dependem dos fluidos perispiríticos ou psíquicos. A qualidade desses fluidos lhe conferia imensa força magnética, secundada pelo desejo incessante de fazer o bem.

“Agiria como médium nas curas que operava? Poder-se-á considerá-lo poderoso médium curador? Não, visto que o médium é um intermediário, um instrumento de que se servem os Espíritos desencarnados. Ora, o Cristo não precisava de assistência, pois que era Ele quem assistia os outros. Agia por si mesmo, em virtude do seu poder pessoal, como, em certos casos, o podem fazer os encarnados, na medida de suas forças. Que Espírito, aliás, ousaria insuflar-lhe seus próprios pensamentos e encarregá-lo de o transmitir? Se porventura ele recebia algum influxo estranho, esse só de Deus lhe poderia vir. Segundo definição dada por um Espírito, ele era médium de Deus”.

Agora paremos para considerar esses pontos frente aos argumentos espiritualistas apresentados antes. Salvo o excerto preciosíssimo de A Gênese, que contradiz frontalmente as premissas roustainistas, pode-se francamente questionar as ilações morais do ensino de Jesus de Nazaré conforme expostas por Allan Kardec? Certamente que não. E com todas elas são concordes todos os grupos que apresentaram, junto ao movimento espírita, seus conceitos diferenciados da codificação quanto a tudo o mais que se referia à vida do rabi da Galiléia.

Ora, se a explanação do professor de Lyon é boa para este ponto, não deveria ao menos ser vista com olhos respeitosos nos outros? Os que se diferenciaram o fizeram sempre pisando inicialmente no terreno seguro das considerações daquele a quem Camille Flammarion chamou de “a prudência personificada”. Mas existe algo a mais nesse comenos.

Quando confrontamos o Jesus Histórico com o Jesus de Nazaré enxergado por Kardec e descrito pelos Espíritos que dialogaram com ele, a genialidade Kardequiana se torna mais patente ainda! De tudo que se escreveu em mais de cem anos de pesquisa históricas sobre o mais famoso judeu da história da humanidade, a parte que salta aos olhos permanecendo incólume é sua moral superior ao tempo em que viveu. Moral tão elevada que fez e faz com que líderes de praticamente todas as grandes religiões, inclusive o Judaísmo, vejam nesse ser humano extraordinário que por aqui passou um irmão amigo dos ideais mais elevados.

Efetivamente, ao compulsar as obras de pesquisadores notadamente agnósticos ou mesmo ateus, tais como John Dominic Crossan, Geza Vermes, Bart Ehrman, Karen Armstrong, Marcus Borg, David Flusser e dezenas de outros, considerados gigantes dessas pesquisas pelas décadas e mais décadas de estudos que efetivaram sobre esse tópico, permanece a intuição genial de Allan Kardec, nascida de sua experiência nos anos de estudos no Instituto de seu mestre Henri Pestalozzi, confirmada pelos Espíritos reveladores da assim chamada terceira revelação e que reverbera notavelmente no imo de nossos corações.

E mais. Diferentemente da complexa estrutura teológica dos cristianismos, sejam eles católico-protestantes, gnósticos ou mesmo judaicizantes, cuja gênese constitutiva é rastreável facilmente no processo histórico de cerca de dois mil anos, com o emaranhado de interesses sinceros ou não que estiveram por trás de seu surgimento, o Espiritismo em sua apresentação de Jesus como Espírito que age nesse planeta sob ordem divina destoa de todos eles.

De fato, o Espiritismo não é uma reedição do catolicismo-protestantismo, e nem do judaísmo cristão dos primeiros séculos da Era Comum, bem como não o é de nenhuma das formas de gnosticismos redescobertos no século passado, tão fascinantes aos olhos de muitos. Nem mesmo é uma colcha de retalhos de todos eles. A Doutrina dos Espíritos tem consistência própria em seus postulados, que se na essência se liga à Filosofia Perene de todos os séculos, como o enxergou o filósofo espírita Léon Denis, é ao mesmo tempo um corpo de informações sólido que se exprime em termos particulares, novos, explicando antigos e novos fatos que se repetem por todas as eras dentro de uma genealogia do saber cultural que começa no Judaísmo, passa pelos ensinos de Jesus e a comunidade Jesuana que com ele conviveu e se corporifica como uma síntese do saber no século XIX.

E assim o faz porque se antes a humanidade dissociou a ciência, a filosofia e a religião, agora ela está apta para reintegrá-los, respeitando suas áreas de produção de conhecimento como áreas integráveis e coordenáveis, mas não mais fundindo elas como se fossem uma coisa só.

Por fim, suas premissas básicas simplesmente estão fora da alçada da pesquisa acadêmica tradicional enquanto esta não reconhecer o objeto de estudo dessa doutrina: o mundo espiritual e suas manifestações. Igualmente enquanto não reconhecer que este objeto de estudo demanda instrumental analítico de pesquisas e testes próprios, como qualquer disciplina nova do saber o requer. Também enquanto não reconhecer as conseqüências racionais e os significados filosóficos em todos os campos da vida humana dessa disciplina de estudo e pesquisa. E, mais importante ainda, enquanto não lhe reconhecer seus justos valores, de cunho espiritual, capazes de nortear a humanidade a novos páramos. Sendo assim, estão essas premissas fora de sua investigação, não podendo ser refutadas ou endossadas.

E quais são essas premissas básicas? É o professor Kardec quem as expõe de modo didático, conforme pode ser lido nos 29 postulados espíritas básicos descritos pelo mestre de Lyon na “Profissão de Fé Espírita Raciocinada”, encontrada na parte primeira de suas “Obras Póstumas”. Agora, o mais fascinante de tudo é: dificilmente, assim o entendemos, os roustainistas, ramatisistas ou ubaldistas se poriam contra eles. Se o leitor ou a leitora tiver alguma dúvida, cheque-os e veja por si mesmo(a).

Ficam assim essas reflexões conclusivas de um curso em constante aperfeiçoamento, mas cujo corpo de professores, depois da desconstrução de muitas estruturas teológicas herdadas dessa e de outras vidas, emergiram do torvelinho com a reafirmação de sua fé espírita raciocinada como inteiramente compatível com a mensagem da boa nova do Reino do Pai, conforme apregoada pelo rabi de Nazaré.

3

Como ele encarnado, podemos dizer: “Amai a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo” (Mateus 22:34-40; Marcos 12:28-31; Lucas 10:25-28). Como ele, agora na pátria espiritual, podemos dizer: “espíritas, amai-vos, eis o primeiro mandamento. Instruí-vos, eis o segundo” (Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo VI item 5, quarto parágrafo). Mas perdura a pergunta de Jesus ao coração de cada um de vocês, para que respondam e ele em sua sinceridade: “mas vós, quem dizeis que eu sou?”

NOTAS:

1: http://forums.catholic.com/showthread.php?t=261339&page=10 2: http://espiritualidadee.blogspot.com.br/2009/05/o-suicidio-de-allan-kardec.html 3: http://catholicphilosophyblog.com/2014/01/02/will-the-real-catholic-church-please-stand-up/

* publicado originalmente em 27/01/2014 em http://httpblogcristianismoespiritismo.blogspot.com.br/

Condenados por Deus: Um Problema Teológico (Parte III – final) *

Ressurreição de Cristo – Carl Bloch

  por Jefferson

Esta é a terceira e última parte do artigo “Condenados por Deus: um problema teológico”. Para os que estão acessando o artigo pela primeira vez, sugerimos a leitura das duas partes precedentes, publicadas nos dias 22/02 e 27/03/12.

Alguns Conceitos Básicos

Este blog é espírita, portanto, muito natural que os assuntos apresentados aqui sejam escritos e lidos sob esta óptica. Já deixamos claro, nas duas partes anteriores deste artigo, que os dogmas do pecado original e da salvação pela cruz, independente de se acreditar ou não no Espiritismo, não fazem nenhum sentido, pois a sua base somente se sustenta se a história de Adão e Eva fosse verdadeira, o que os fatos apresentados pela Ciência já demonstraram não ser o caso. Contudo, se somente derrubássemos o edifício da fé cristã e não oferecêssemos alternativa, como fazem os defensores do Ateísmo, nada de digno faríamos. Se a visão espírita diverge da visão apresentada pela teologia cristã, é necessário que ofereça uma alternativa racional para o desequilíbrio humano e para o sofrimento que sempre ronda a nossa espécie, sem que para isso haja a necessidade de recorrer à “natureza pecadora” e ao “castigo divino” com os quais não concorda. Para tanto, qual a explicação espírita para essas questões? Para responder a essa pergunta, precisamos partir de um conhecimento comum daquilo que o Espiritismo professa, principalmente para quem não tem intimidade nenhuma com a literatura espírita:

1)      O Espiritismo acredita em Deus? Sim, tanto que o início dos estudos espíritas, explanados no livro-base do Espiritismo, “O Livro dos Espíritos” de Allan Kardec, destina o seu primeiro capítulo somente para tratar Dele. Na questão número quatro, daquele livro, temos: “4. Onde se pode encontrar a prova da existência de Deus? “Num axioma que aplicais às vossas ciências. Não há efeito sem causa. Procurai a causa de tudo o que não é obra do homem e a vossa razão responderá.”

2)      Como é Deus na visão espírita? É um Deus que se revela muito mais pela Sua criação do que pelos livros e pelos templos. Na questão nona, do livro já citado, temos a seguinte explicação: “9. Em que é que, na causa primária, se revela uma inteligência suprema e superior a todas as inteligências? “Tendes um provérbio que diz: Pela obra se reconhece o autor. Pois bem! Vede a obra e procurai o autor. O orgulho é que gera a incredulidade. O homem orgulhoso nada admite acima de si. Por isso é que ele se denomina a si mesmo de espírito forte. Pobre ser, que um sopro de Deus pode abater!” Mais adiante, a questão de número treze trata dos atributos de Deus: 13. Quando dizemos que Deus é eterno, infinito, imutável, imaterial, único, onipotente, soberanamente justo e bom, temos idéia completa de Seus atributos? “Do vosso ponto de vista, sim, porque credes abranger tudo. Sabei, porém, que há coisas que estão acima da inteligência do homem mais inteligente, as quais a vossa linguagem, restrita às vossas idéias e sensações, não tem meios de exprimir. A razão, com efeito, vos diz que Deus deve possuir em grau supremo essas perfeições, porquanto, se uma Lhe faltasse, ou não fosse infinita, já Ele não seria superior a tudo, não seria, por conseguinte, Deus. Para estar acima de todas as coisas, Deus tem que se achar isento de qualquer vicissitude e de qualquer das imperfeições que a imaginação possa conceber.” Portanto, Deus, para a Doutrina Espírita, é a causa primária de tudo e a inteligência suprema do universo, possuindo todas as Suas qualidades (justiça, amor, sabedoria, etc.) em grau infinito, sem possuir nenhuma partícula de nossas limitações, nenhum átomo de nossos defeitos.

3)      Como o Espiritismo entende a Bíblia? Podemos tomar por base as palavras de Allan Kardec, que organizou e publicou o ensino dos Espíritos, como uma opinião da maioria dos espíritas: “A Bíblia, evidentemente, encerra fatos que a razão, desenvolvida pela Ciência, não poderia hoje aceitar e outros que parecem estranhos e derivam de costumes que já não são os nossos. Mas, a par disso, haveria parcialidade em se não reconhecer que ela guarda grandes e belas coisas. A alegoria ocupa ali considerável espaço, ocultando sob o seu véu sublimes verdades, que se patenteiam, desde que se desça ao âmago do pensamento, pois que logo desaparece o absurdo.” (Allan Kardec, “A Gênese”, capítulo IV, item 6)

4)      Como a Doutrina Espírita interpreta a narrativa de Adão e Eva? Segundo os Espíritos que participaram da criação do “Livro dos Espíritos”, temos a seguinte explicação: 50. A espécie humana começou por um único homem? “Não; aquele a quem chamais Adão não foi o primeiro, nem o único a povoar a Terra.” Segundo entendimento de Allan Kardec, o que tem sido confirmado por diversas escritas mediúnicas, Adão representa um conjunto de espíritos exilados dos seus planetas de origem, vez que teimavam em permanecer retardatários ao progresso geral de suas sociedades. Foram trazidos ao nosso planeta e aqui reencarnaram em expiação, para progredirem e fazer às tribos que aqui estavam, bem mais atrasadas do que eles em termos morais e intelectuais, progredissem também. “De acordo com o ensino dos Espíritos, foi uma dessas grandes imigrações, ou, se quiserem, uma dessas colônias de Espíritos, vinda de outra esfera, que deu origem à raça simbolizada na pessoa de Adão e, por essa razão mesma, chamada raça adâmica. Quando ela aqui chegou, a Terra já estava povoada desde tempos imemoriais, como a América, quando aí chegaram os europeus. “Mais adiantada do que as que a tinham precedido neste planeta, a raça adâmica é, com efeito, a mais inteligente, a que impele ao progresso todas as outras. A Gênese no-la mostra, desde os seus primórdios, industriosa, apta às artes e às ciências, sem haver passado aqui pela infância espiritual, o que não se dá com as raças primitivas, mas concorda com a opinião de que ela se compunha de Espíritos que já tinham progredido bastante. Tudo prova que a raça adâmica não é antiga na Terra e nada se opõe a que seja considerada como habitando este globo desde apenas alguns milhares de anos, o que não estaria em contradição nem com os fatos geológicos, nem com as observações antropológicas, antes tenderia a confirmá-las.” (Allan Kardec, “A Gênese”, capítulo XI, item 34)

5)      Quem é Jesus para o Espiritismo? Uma pessoa sem igual, mas não um deus encarnado, porque Deus é único, como é muito claro toda a Antiga Aliança conhecida como Bíblia Hebraica. Jesus era judeu e como fiel observador da Torá, nunca reinvidicou para si a condição de divindade. A dita Santíssima Trindade nunca foi revelação evangélica genuína, mas uma construção teológica, idéia de gosto das comunidades cristãs de origem helenista, que não tinham a mesma identidade cultural das primeiras comunidades judaicas, como a de Jerusalém. Para ganharmos tempo, citaremos apenas duas passagens evangélicas que deixam bem claro o que afirmamos: “Aproxima-se então um mancebo e lhe diz: ‘Bom Mestre, que bem devo fazer para alcançar a vida eterna?’ Jesus lhe respondeu: ‘Por que me chamas bom? Não há senão somente Deus que é bom. Se queres entrar na vida, guarda os mandamentos.”(Mateus, 19:16 e 17; Marcos, 10:17 e 18; Lucas, 18:18 e 19.) “Assim falou Jesus, e, erguendo os olhos ao céu, disse: ‘Pai, chegou a hora: glorifica teu Filho, para que teu Filho te glorifique, e que, pelo poder que lhe deste sobre toda carne, ele dê a vida eterna a todos os que lhe deste! Ora, a vida eterna é esta: que eles te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e aquele que enviaste, Jesus Cristo.” (João 17, 1-3; grifos nossos) 6)      Se Jesus não é Deus, então, quem ele é? Segundo ensinam os Espíritos, Jesus é o modelo dado por Deus à humanidade e pertence ao grupo dos Espíritos Puros, ou seja, aqueles espíritos que nada mais tem a expiar, que possuem as virtudes humanas em seu grau máximo sem serem portadores de nenhum dos vícios de nossa natureza. “625. Qual o tipo mais perfeito que Deus tem oferecido ao homem, para lhe servir de guia e modelo?” “Jesus.” (Allan Kardec – Livro dos Espíritos)

7)      Se Jesus é guia e modelo, se a Bíblia tem verdades sublimes sob o véu da alegoria, para que serve a Doutrina Espírita? A humanidade está em constante processo de transformação, sempre com novas demandas e questionamentos. Mais amadurecida, a sociedade atual necessita de respostas que as suas antecessoras nem pensaram em formular. Longe do ambiente agropastoril e patriarcal do Oriente Médio, necessita de esclarecimentos e provas mais apropriadas para o tempo presente. Vejamos o que nos diz o Livro dos Espíritos: 627. Uma vez que Jesus ensinou as verdadeiras leis de Deus, qual a utilidade do ensino que os Espíritos dão? Terão que nos ensinar mais alguma coisa? “Jesus empregava amiúde, na sua linguagem, alegorias e parábolas, porque falava de conformidade com os tempos e os lugares. Faz-se mister agora que a verdade se torne inteligível para todo mundo. Muito necessário é que aquelas leis sejam explicadas e desenvolvidas, tão poucos são os que as compreendem e ainda menos os que as praticam. A nossa missão consiste em abrir os olhos e os ouvidos a todos, confundindo os orgulhosos e desmascarando os hipócritas: os que vestem a capa da virtude e da religião, a fim de ocultarem suas torpezas. O ensino dos Espíritos tem que ser claro e sem equívocos, para que ninguém possa pretextar ignorância e para que todos o possam julgar e apreciar com a razão. Estamos incumbidos de preparar o reino do bem que Jesus anunciou. Daí a necessidade de que a ninguém seja possível interpretar a lei de Deus ao sabor de suas paixões, nem falsear o sentido de uma lei toda de amor e de caridade.” Partindo desses conceitos básicos, fica claro que o Espiritismo não tem por pretensão de desqualificar ou revogar os ensinos bíblicos, muito menos as palavras de Jesus e o seu significado inquestionável para a humanidade. O Espiritismo tem por missão provar, através do ensino daqueles que já viveram como nós e que continuam a existir depois da morte, que o caminho ensinado por Jesus é o único a nos trazer felicidade. São os seus testemunhos do além-túmulo, de felicidade ou de infelicidade, que nos indicam o caminho a seguir ou a evitar, para que tenhamos uma vida de bem-aventuranças espirituais a partir desta vida mesmo. São os Espíritos, enviados pelo Altíssimo, que nos mostram os aspectos práticos de sermos virtuosos, da razão de nossos sofrimentos e da necessidade que temos de sermos pessoas mais integras, justas, caridosas, piedosas e compreensivas para com os nossos semelhantes, enfim, seguirmos os passos de Jesus, para que possamos ter a verdadeira felicidade, que é a da consciência iluminada, o verdadeiro templo de Deus. Com o Espiritismo, que nada mais é do que o desdobramento da mensagem evangélica, a consciência se ilumina, o coração se aquece e a alma se ilumina. Deus não é Beduíno O Barão de Montesquieu certa vez disse “Se os triângulos tivessem um Deus, ele teria três lados”. O Deus da Bíblia Hebraica é um pastor poderoso, porque era cultuado por povos que tem origem nômade. A “terra santa” é um pedaço de terra que possui abundância de pedras, desertos e montanhas, e carência de terras produtivas, mas é santa porque é a sua terra, e não dos outros. Encontraremos na Bíblia muitas menções ao cedro do Líbano, ao camelo e ao leão, mas não terá uma linha sobre uma jabuticabeira, uma jibóia ou lobo-guará, pelo simples fato de que não eram do conhecimento dos povos do Oriente. Quem escreveu a Bíblia, escreveu para o seu povo, embebido de sua cultura e de seus costumes, e o Deus narrado por ele também ficará limitado pelo seu horizonte. Portanto, as características do Deus da Antiga Aliança serão as mesmas do povo que o cultua. “Um deus terrível das selvas, um deus árabe, um deus que atravessava as montanhas, percorria os desertos, repousava em barracas, suntuosamente coloridas. Um deus que protege seu povo, à noite quando este se recolhe para dormir, um deus que o leva à batalha, que castiga os seus inimigos sem dó, um deus que muda de idéia como o vento, que é rápido na vingança e não recua ante uma mentira quando esta lhe convém. No entanto, é um deus que não comete injustiças, que é generoso para com estranhos, bondoso para com os órfãos e misericordioso para com os pobres. Em poucas palavras, um deus que possui todas as virtudes e defeitos do beduíno árabe.” (Thomas, Henry – A História da Raça Humana Através da Biografia – 10 ed., Rio de Janeiro: Globo, 1979, p.40 e 41). O mundo mudou, a humanidade evoluiu, Deus já não cabe mais nesse modelo. Como vimos mais acima, “Pela obra se reconhece o autor. Pois bem! Vede a obra e procurai o autor.”, dizem os Espíritos. Feita a proposta, vamos estudar a obra para conseguirmos dimensionar o autor. Vamos dar um rápido passar de olhos na criação para tentarmos entender a dimensão de seu Autor. Além da Imaginação Toda a histórica bíblica se passa na região que abrange a bacia latina do Mediterrâneo, o Oriente Médio e as terras que seriam os atuais Irã e Iraque. A sua crença na divindade era restrita ao seu conhecimento, às suas experiências, da mesma forma que os deuses ameríndios e polinésios não se assemelharam ao Deus de Israel, porque Israel desconhecia esses continentes. O mundo é muito maior do que Canaã. O mundo também não se sustenta sob colunas, não existe uma abóboda onde são firmadas as estrelas, não existem águas sobre essa abóboda e não existem abismos sob as colunas. O planeta não é plano e não é o centro do universo. Portanto, se quisermos entender Deus, temos que olhar para o livro da natureza, e não para a Bíblia. Pelas Sagradas Escrituras se pode entender muito de como o povo hebreu entendia Deus, mas não se pode entendê-Lo, pois Ele é muito maior. Israel, comparada ao Brasil, Estados Unidos, China e Índia, em termos geográficos, é uma pedaço de terra inexpressivo, e a sua população, com todo respeito que merece a sua cultura e as suas tradições milenares, mesmo hoje, é uma parcela ínfima quando comparada com o somatório de todas as civilizações e culturas que existiram e existem em nosso planeta. Deus é muito maior para ser representado por um único povo. O nosso próprio planeta, quando comparado com outros tantos, é uma pequena semente flutuante no espaço cósmico, e o nosso sol, que nos parece tão grande e imponente, é uma pequena chama de um fósforo aceso ao lado de Arturo, e esta estrela não passa de pálida fonte de luz se comparada com VY Cão Maior. E estamos falando de estrelas, que são pontinhos diminutos no condomínio de galáxias chamado Universo. “Pela obra se reconhece o autor.”, bem nos lembram os Espíritos. Pois bem, neste Universo devassado por nossos telescópios mais poderosos, do qual ainda sabemos muito pouco, é o verdadeiro livro das virtudes de Deus. Deus não pode ser um beduíno do deserto, não pode se comportar com as nossas fraquezas e mesquinharias, pois a sua obra espalhada pelo Cosmos nos atestam a sua infinita sabedoria e poder; uma natureza muito maior do que as nossas especulações infantis. O que representa uma pequena nota dissonante nessa sinfonia incalculável de sóis, supernovas, buracos negros e galáxias? O Arquiteto Supremo, o Criador Incriado é passível de se ofender conosco a ponto de amaldiçoar toda a raça humana? A sua ira é tão terrível que somente o sangue no altar, ou a crucificação de um justo é capaz de serená-lo? Elevemos o olhar para muito além do nosso horizonte. Deus é maior! Seguindo a máxima de que uma imagem vale mais do que mil palavras, vamos admirar o livro da criação divina cujas páginas os antigos hebreus não podiam ler e aproveitar para refletirmos em qual livro Deus deixou escritos os seus atributos.     A Soteriologia Espírita Fizemos, abaixo, um resumo da explicação dada pelos Espíritos sobre a nossa origem, a causa de nossas aflições e o destino que nos aguarda. Algumas frases são transcrições literais do Mestre Lionês. Todas as afirmações abaixo podem ser consultadas nas obras de Allan Kardec, particularmente no item VI de “O Livro dos Espíritos” e no livreto “O Que é o Espiritismo”. Deus tem a sua perfeição proporcional à sua obra, que se caracteriza pela imensidão ilimitada no tempo e no espaço. Mas se Deus é perfeito, porque nós somos miseráveis em nossas virtudes, pródigos em nossas desgraças, escravos de nossos prazeres e vítimas de nossas dores? Se Deus é justo, porque tantas diferenças visíveis desde o berço sem que a nossa vontade possa afastar o golpe do destino? Deus é tão grande que não nos enxerga e não ouve os nossos apelos? Qual a razão da vida que nem sempre é resultado de nossos melhores esforços? Os questionamentos não são novos, mas em uma época da busca pela razão, somos muito mais exigentes nas respostas. Adão e Eva, serpente, paraíso, maldição, pecado, Satanás, ira divina, nada disso mais satisfaz a quem procura uma resposta além dos muros do dogma. Para esses o Espiritismo tem muito a dizer. O Espiritismo não se impõe a quem quer que seja; quer ser aceito livremente e por efeito de convicção. Expõe suas doutrinas e acolhe os que voluntariamente o procuram. Não cuida de afastar pessoa alguma das suas convicções religiosas; não se dirige aos que possuem uma fé e a quem essa fé basta; dirige-se aos que, insatisfeitos com o que se lhes dá, pedem alguma coisa melhor. O Espiritismo, que nada mais é do que a Doutrina formada do ensino concordante dos Espíritos, postula que Deus é eterno, imutável, imaterial, único, onipotente, soberanamente justo e bom, e que criou o Universo, que abrange todos os seres animados e inanimados, visíveis e invisíveis. Os seres materiais constituem o mundo visível ou corpóreo, e os seres imateriais, o mundo invisível ou espírita, isto é, dos Espíritos. Todos somos criados simples e ignorantes, adquirindo inteligência, gostos e tendências de acordo com as escolhas feitas, conforme vamos evoluindo e passando por diversas experiências. Os Espíritos revestem temporariamente um invólucro material perecível, cuja destruição pela morte lhes restitui a liberdade. Deixando o corpo, a alma volve ao mundo dos Espíritos, donde saíra, para passar por nova existência material, após um lapso de tempo mais ou menos longo, durante o qual permanece em estado de Espírito errante, ou seja, sem morada fixa. Existem Espíritos de todas as espécies de inteligência e moralidade, da mesma forma que percebemos essas diferenças nas pessoas que habitam o nosso mundo. Contudo, os Espíritos não ocupam perpetuamente a mesma categoria. Todos se melhoram passando pelos diferentes graus da hierarquia espírita. Esta melhora se efetua por meio da encarnação, que é imposta a uns como expiação, a outros como missão. A vida material é uma prova que lhes cumpre sofrer repetidamente, ou seja, por várias reencarnações, até que hajam atingido a absoluta perfeição moral. As diferentes existências corpóreas do Espírito são sempre progressivas e nunca regressivas; mas, a rapidez do seu progresso depende dos esforços que faça para chegar à perfeição. As qualidades da alma são as do Espírito que está encarnado em nós; assim, o homem de bem é a encarnação de um bom Espírito, o homem perverso a de um Espírito impuro. O Espírito encarnado se acha sob a influência da matéria; o homem que vence esta influência, pela elevação e depuração de sua alma, se aproxima dos bons Espíritos. Aquele que se deixa dominar pelas más paixões, e põe todas as suas alegrias na satisfação dos apetites grosseiros, se aproxima dos Espíritos impuros, dando preponderância à sua natureza animal. Quem transgride a Lei de Deus são corrigidos através de novas existências, de forma a recomeçar o trabalho que negligenciaram, que nada mais é do que ser uma pessoa correta e caridosa, disposta a praticar ao bem e não se revoltar com as dificuldades que fazem parte da vida. Não existem faltas irremissíveis, que a expiação não possa apagar. Meio de consegui-lo encontra o homem nas diferentes existências que lhe permitem avançar, conforme os seus desejos e esforços, na senda do progresso, para a perfeição, que é o seu destino final. Portanto, o destino do homem está em suas mãos, sendo de sua responsabilidade os resultados que colhe na vida. Se não encontra causa de seus sofrimentos nesta vida, deverá suspeitar que a origem remonta a vidas anteriores. Assim, não existe injustiça, mas redenção em cada prova da vida. Mesmo a criança recém saída do útero materno, que nada fez nessa vida para vir com essa ou aquela deformidade, nascer nesse ou naquele ambiente, como Espírito imortal, viajante de muitas existências corporais, colhe hoje o que plantou no passado, e semeia hoje os frutos saborosos ou amargos do amanhã. Segundo o axioma “todo efeito tem uma causa”, as misérias da vida são efeitos que hão de ter uma causa e, desde que se admita um Deus justo, essa causa também há de ser justa. Ora, ao efeito precedendo sempre a causa, se esta não se encontra na vida atual, há de ser anterior a essa vida, isto é, há de estar numa existência precedente. Sem privilégios, sem maldições, sem injustiças, sem salvação pelo sacrifício de terceiros. Todos fomos criados com as mesmas possibilidades, todos escolhemos os nossos caminhos, todos somos responsáveis pelos nossos atos, todas temos as oportunidades inumeráveis de resgate, aprendizado e evolução. Sendo soberanamente justo, Deus tem de distribuir tudo igualmente por todos os seus filhos; assim é que estabeleceu para todos o mesmo ponto de partida, a mesma aptidão, as mesmas obrigações a cumprir e a mesma liberdade de proceder. Qualquer privilégio seria uma preferência, uma injustiça. Mas, a encarnação para todos os Espíritos, é apenas um estado transitório. E uma tarefa que Deus lhes impõe, quando iniciam a vida, como primeira experiência do uso que farão do livre-arbítrio. Os que desempenham com zelo essa tarefa transpõem rapidamente e menos penosamente os primeiros graus da iniciação e mais cedo gozam do fruto de seus labores. Os que, ao contrário, usam mal da liberdade que Deus lhes concede retardam a sua marcha e, talseja a obstinação que demonstrem, podem prolongar indefinidamente a necessidade da reencarnação e é quando se torna um castigo. Deus, através dos seus enviados e das pessoas com quem convivemos, nos ensina o bem e nos estimula ao progresso, cabendo a nós o mérito da vitória ou a responsabilidade do fracasso momentâneo. Nenhum dos seus filhos se perde, porque todos tem a eternidade como trunfo para a vitória. No nosso atual estágio evolutivo, não nos lembramos das vidas anteriores, porque essa lembrança mais atrapalharia do que nos auxiliaria em nossa tarefa. Como é comum reencarnarmos em grupos com quem temos uma história comum, o conhecimento público de nossas faltas seria motivo de vergonha e remorso; em outro sentido, os títulos de nobreza, os cargos de importância, os feitos grandiosos do passado nos eclipsariam a possibilidade de corrigir defeitos, modificar tendências, ter o benefício do anonimato para podermos desenvolver novos trabalhos sem desvios. Nascemos sem a memória do passado, que voltará em sua plenitude quando retornarmos ao nosso estado de Espíritos errantes, mas com a nossa personalidade, inteligência e índole incólumes, instrumentos necessários a nossa identidade enquanto indivíduos e ferramentas necessárias ao nosso progresso. Para nos melhorarmos, outorgou-nos Deus, precisamente, o de que necessitamos e nos basta: a voz da consciência e as tendências instintivas. Priva-nos do que nos seria prejudicial. Ao nascer, traz o homem consigo o que adquiriu, nasce qual se fez; em cada existência, tem um novo ponto de partida. Pouco lhe importa saber o que foi antes: se se vê punido, é que praticou o mal. Suas atuais tendências más indicam o que lhe resta a corrigir em si próprio e é nisso que deve concentrar-se toda a sua atenção, porquanto, daquilo de que se haja corrigido completamente, nenhum traço mais conservará. As boas resoluções que tomou são a voz da consciência, advertindo-o do que é bem e do que é mal e dando-lhe forças para resistir às tentações. Eis a soterologia espírita, que enaltece Deus em sua justiça e amor, que dignifica o homem enquanto ser dotado de livre-arbítrio e responsabilidade, e que nos dá a esperança de sempre continuarmos no caminho do bem, para que possamos, no menor espaço de tempo possível, estarmos face a face com o nosso Pai Celeste.   ,

* publicado originalmente em 18/01/2013 em httpblogcristianismoespiritismo.blogspot.com.br

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